Óscar Afonso, OBEGEF

O programa de assistência apresentou três objectivos complementares: consolidação orçamental, desalavancagem e estabilidade financeira e transformação estrutural da economia.

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Os desequilíbrios nas contas oficiais (públicas e externas) forçaram a que, em 2011, Portugal tenha recorrido ao mecanismo de assistência financeira externa, financiado pela zona euro e pelo FMI. Foi então adoptado um programa de ajustamento com medidas restritivas (de curto prazo) e “reformas estruturais” (de longo prazo).

Quanto às contas públicas, refira-se que um défice orçamental tem de ser financiado por venda de activos, e/ou através do financiamento monetário (proibido na zona euro e tendencialmente inflacionista) e/ou através da emissão de dívida pública. Neste último caso, no entanto, haverá tendência para o aumento da taxa de juro da dívida pública que, se superar a taxa de crescimento do PIB, faz com que o seu peso no PIB aumente. Donde, se o défice orçamental for persistente e de dimensão significativa, mais cedo ou mais tarde, a situação tem de ser corrigida. Para o efeito, podem diminuir-se os gastos públicos, comprometendo, assim, a promoção da eficiência económica, da equidade, da estabilidade macroeconómica e do crescimento económico. Podem ainda aumentar-se impostos. Podem também ser conduzidas políticas que promovam o crescimento e, portanto, a base contributiva. Mas, em Portugal, fruto de uma economia paralela, que ronda os 46 mil milhões de euros, uma parcela muito significativa de impostos fica por cobrar. Daí a pergunta: a actuação para a diminuição da economia paralela não devia receber o mesmo empenho político que a actuação sobre a redução da despesa pública e o aumento de impostos?

Quanto às contas externas, note-se que a balança corrente corresponde à diferença entre a poupança da nação e o investimento. Um défice significa que o país está a viver “acima das possibilidades” e necessita de ser financiado (aumentando a dívida externa). Tal processo não pode perdurar no longo prazo, sobretudo quando é elevado e persistente, uma vez que as taxas de juro sobem e/ou o financiamento torna-se difícil. Assim, algures no tempo, o ajustamento torna-se necessário, quanto mais não seja por via da exigência dos mercados financeiros. Tal pode ocorrer através de medidas que promovam o crescimento económico e o emprego, e o aumento da competitividade internacional, que, por sua vez, gera aumento das exportações. Alternativamente, pode ser levado a cabo por via de medidas de austeridade, que gerem redução do consumo privado e público e, dessa forma, as importações, como foi a opção. Mas mesmo assim, com uma parcela tão significativa de economia paralela será que a poupança efectiva da nação não é/era superior? E sendo o PIB total (registado mais não registado) muito superior, será que o défice externo era, em termos relativos, tão significativo?

E como se chegou ao estado de (i) défices correntes oficiais elevados e persistentes desde 1995, (ii) dívida externa elevada (ultrapassando 100% do PIB oficial), (iii) endividamento elevado de todos os agentes económicos (indivíduos, empresas e Estado), (iv) dificuldades de financiamento nos mercados internacionais, (v) perda de competitividade externa, (vi) aumento da economia paralela e (vii) perda de credibilidade do governo? Como, em suma, foi possível que a crise financeira internacional pós-2007 tivesse gerado escassez de crédito e subida do seu preço, precipitando o pedido de ajuda? Responder a estas questões exigia uma crónica adicional e fica, por isso, em stand-by, mas não podia deixar de as fazer.

Resta-nos, por hoje, referir que o programa de assistência apresentou três objectivos complementares: consolidação orçamental, desalavancagem e estabilidade financeira e transformação estrutural da economia. O 1º objectivo originou políticas orçamentais e de rendimentos restritivas, o 2º acções de recapitalização dos bancos e alterações no enquadramento regulatório, e o 3º um programa de supostas reformas estruturais.

O ajustamento externo parece conseguido, já que pela primeira vez desde 1985 se observou um superávite corrente em 2014. A correcção do desequilíbrio das contas públicas tem sido bem mais difícil. O agravamento da recessão produziu um aumento das despesas sociais e, juntamento com o aumento do peso da economia paralela, uma redução das receita fiscal. Apesar das medidas restritivas, os objectivos para o peso do défice público no PIB oficial foram sucessivamente alterados e o peso da dívida pública no PIB oficial continua muito elevado. O programa originou pois custos importantes no curto prazo, com uma profunda depressão da procura interna, uma forte quebra do PIB oficial e do investimento, e a coesão social tem evidenciado sinais de deterioração. Num contexto em que a economia paralela é tão significativa, creio que não tinha necessariamente de ser assim.