Pedro Santos Moura , Visão on line,
Sermos melhores passa pela intransigência com os nossos próprios maus hábitos
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1. Ganância
O principal motivo para alguém cometer atos de fraude ou corrupção é o desejo de ter mais, geralmente mais que os ‘outros’. Mais dinheiro, mais ‘coisas’, mais poder, para ser mais que os demais. A miséria cultural e espiritual em que a nossa sociedade se encontra banhada leva a que as pessoa se definam pelo que ‘têm' e ‘fazem’ em comparação com os ‘outros’, o que leva ao jogo da acumulação infinita, de preferência com atalhos como a prática de fraude e a corrupção.
A ganância só pode ser mitigada pela cultura, pela educação das crianças e adultos para uma ética do ‘ser’ em contraponto ao ‘ter’. Do fim da primazia da competição e da comparação permanente com o que os outros têm, do equilíbrio sadio entre colaboração e competição. Uma ética que ensine o valor da partilha e da salvaguarda do bem e dos bens comuns, de respeito e proteção da dignidade de todos e de tudo. Uma ética de responsabilidade, transparência e felicidade. A ganância só gera infelicidade e sofrimento.
É possível ser-se mais tendo menos. Mas geralmente, por ignorância, as pessoas optam por ter mais sendo menos, parecendo ser o seu objetivo de vida virem, um dia, a ser os mais ricos/poderosos do cemitério onde, inevitavelmente, acabarão. Fraca compensação, digo eu.
2. Impunidade
Quando se fala de fraude e corrupção toda a gente se insurge e se aligeira a vociferar ‘gatunos, malandros, prisão com eles, só querem é tacho, etc, etc’. Tanta indignação levaria a pensar que fraude e corrupção são comportamentos extremamente reprovados a nível social. É falso.
Para trazer carne a estes ossos, tomemos um exemplo. No mediático caso de suspeita de corrupção de José Sócrates (JS), e de tudo e todos os que estão envolvidos, uma das notícias que mais me ficou na memória foi esta: http://goo.gl/2FPhsO, em que alguns conhecidos do motorista de José Sócrates, da vila onde este reside, tecem comentários sobre o caso e o próprio motorista, que passo a transcrever:
- “se não fazia ele ia para lá outro fazer”
- “ele devia saber o que andava a fazer”, mas a verdade é que “se não era ele, era outro, e ele era despedido”
- “ele era só um serviçal”
Desconheço da culpa ou não de JS ou do seu motorista. Isso é tema para tribunal. Mas conheço e envergonho-me com a nossa culpa, enquanto povo e sociedade, por o que estas afirmações significam. Esta lógica miserável, mesquinha e cúmplice de que atos criminosos são desculpáveis por serem somente ‘ordens’, ou que os fins justificam sempre os meios, são a verdadeira e enraizada causa da muita trafulhice que por este país se vai fazendo, e de muito do mal e sofrimento por esse mundo fora.
Os ‘esquemas’ são vistos e justificados como uma forma de sobrevivência em tempos tão difíceis (são sempre difíceis, os tempos). A pequena fuga aos impostos, o fechar os olhos a algo errado, o virar a cara para o lado e não nos ‘querermos’ chatear com o colega negligente ou o justificarmos a nossa própria negligência com o tão típico “todos fazem isto”, o ensinarmos aos nossos filhos que eles têm de aprender a ‘safar-se’ sozinhos, o sacudir constante da responsabilidade (passa para o outro) e a justificação do que fazemos ou não fazemos com os ‘outros’ ou com o "isto é mesmo assim”, tudo isto e muito mais são coisas tão pequenas, tão comezinhas, tão insignificantes, mas quando multiplicadas por todas as pessoas, por todos os dias, criam um terreno tão podre, tão retorcido, onde tudo o que não devia acontecer floresce. Onde a impunidade não é uma probabilidade, é quase uma certeza.
E utilizando um dito antigo: tão culpado é o ladrão que vai ao galinheiro como o que fica à porta. Não tenhamos ilusões: mesmo que não sejamos o ‘fraudulento’ ou o ‘corrupto’, todos nós, na realidade, o somos quando olhamos para o lado.
Sermos melhores passa pela intransigência com os nossos próprios maus hábitos e com a coragem de sermos melhores que nós mesmos, começando pelas pequenas coisas: querer ter menos, querer ser mais.