Aurora Teixeira, Visão on line,

a pior forma de tirania é a do fraco sobre o forte

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2014 foi um ano inesquecível, embora por razões pouco/nada apreciáveis. Durante este ano vários foram os processos de fraude e/ou corrupção trazidos a público. Não obstante, tal traduziu fielmente a célebre máxima: “Muita parra e pouca uva”. De facto, entre arquivamentos, prescrições, esquecimentos e afins, quase ninguém, entre os direta ou indiretamente envolvidos, foi, até à data, formalmente, ou mesmo ‘moralmente’, condenados. Bom, algumas ‘honrosas’ excepções incluem o ‘sucateiro’, Manuel Godinho, e Duarte Lima, um defraudador em série retardatário. José Sócrates ainda está no limbo (suspeito de…), mas a arriscar-se a fazer cumprir uma outra máxima: “Tanta vez vai o rato ao moinho, que um dia fica lá com o focinho”.

Recorde-se que em 2012 a então procuradora-geral Adjunta Cândida Almeida dizia (sem rir, note-se!) que Portugal “não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos.”. Quando muito, segundo a procuradora, o que temos em Portugal são um número considerável de casos de “fraude fiscal”.

É certo que para o comum dos mortais a fraude e a corrupção, estando muito vezes umbilicalmente ligadas, são noções difíceis de distinguir sendo, por isso, mais habitual designar por corrupção atos que incluem a corrupção propriamente dita (i.e., oferecer, dar, receber ou solicitar, direta ou indiretamente, qualquer coisa de valor para influenciar as ações de outra parte – e.g., ‘luvas’, ‘favores’) e fraude (ação ou omissão que, consciente ou inconscientemente, engane ou tente enganar uma parte para obter uma compensação financeira ou para evitar uma obrigação – a fraude surge, frequentemente, associada ao crime de branqueamento de capitais).

Qualquer que seja o ato – corrupção ou fraude – a percepção que um português comum tem é a de que os (‘alegadamente’) corruptos/defraudadores ‘safam-se’ sempre. Se dúvidas existirem é recomendado vivamente alguns minutos de autoflagelo no Youtube a assistir às intervenções das ‘individualidades’ chamadas no âmbito da mais recente Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES (Banco Mau)/GES, que os nossos ‘zelosos’ deputados teimaram em realizar…

Como expectável, nenhum dos ‘solidários’ (ex) administradores/ gestores do BES/GES conseguiu produzir um discurso minimamente inteligível/esclarecedor: “não sabia", "não me lembro", "nunca imaginei", "não sei", "não acompanhei", "nunca tive qualquer informação", "não estava no meu âmbito", "não era da minha competência ou responsabilidade"… Tal alienação parece dar razão às palavras do filósofo Friedrich Nietzsche: “É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação.”

Para quem auferia tão chorudas remunerações os ‘discursos’ dos ex-administradores e afins reflectem, na melhor das hipóteses, muita incompetência/negligência/ignorância ou, quiçá (?), mais próximo da realidade dos factos, desfaçatez.

A triste sina dos portugueses é que esta ‘nata’ da sociedade, pela evidente (ainda que temporária) “ausência de faculdades mentais e liberdade necessárias para avaliar o ato quando o praticou”, é bem capaz de não poder ser responsabilizada por um facto punível. Ou seja, o mais certo é que, no fim de todo este traumatizante processo (para os contribuintes, diga-se), sejam considerados inimputáveis!

Outras ‘altas individualidades’, não obstante a (ou por causa da) inimputabilidade foram ‘recompensadas’ com progressões profissionais assinaláveis. Recorde-se o caso dos submarinos Tridente (reportado a 2004). Na Grécia e na Alemanha as investigações ao caso deram como provada a existência de corrupção (e outros ilícitos): a justiça alemã condenou dois ex-executivos da Ferrostaal a dois anos de prisão, com pena suspensa, e ao pagamento de coimas por suborno de funcionários públicos estrangeiros, na venda de submarinos a Portugal e à Grécia; na Grécia, o ex-ministro grego da Defesa, Akis Tsohatzopoulos, foi condenado a 20 anos de prisão. Em Portugal, apesar dos ‘senhores’ Procuradores terem afirmado que Paulo Portas (à época Ministro da Defesa de Durão Barroso) havia “excedido o seu mandato” no negócio “opaco” dos submarinos, o processo foi arquivado “por não terem sido encontradas provas de crimes”. Mas, mesmo que estes últimos (crimes) tivessem ocorrido, já estariam prescritos... Fantástico melga!

Como sublimemente referia Oscar Wilde “[a] pior forma de tirania que o mundo sempre viu é a tirania do fraco sobre o forte. Esta é a única forma de tirania que dura.”