Carlos Pimenta, Visão on line,

A impunidade com que se tira dinheiro dos crédulos, explorando a iliteracia financeira

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Já telefonaste para te habilitares a ganhar 70.000 euros? Esse dinheiro dava jeito!

Não participo dessas iniciativas e falo por experiência própria. Há alguns anos o jornal P lançou um concurso de relatos sobre os países de língua oficial portuguesa. Todas as semanas publicavam o texto premiado sobre um desses países e, para culminar, havia o sorteio de uma viagem. Concorri com um texto há muito escrito sobre Angola, escrito no impacto emocional de terem tentado me vender um bebé por menos de uma dezena de dólares. Fiquei todo feliz quando vi o meu escrito publicado. Provavelmente foi a minha primeira publicação, apesar de ter o hábito de rascunhar cenas do quotidiano. Estava também feliz por poder ganhar uma viagem para mim e minha companheira. Contudo vi anunciada a atribuição da viagem a uma pessoa que nada tinha publicado. Comecei por escrever ao jornal pedindo explicações. O burocrata de serviço respondeu que o premiado tinha tido o melhor texto sobre Angola!

Então deverias ter sido tu a ganhar!

É verdade, mas não fui. Reclamei novamente para o jornal, cheguei a escrever ao premiado pedindo explicações sobre a sua participação. Só recebi silêncio. Contactei então diversas entidades públicas, daquelas que costumam aparecer a fiscalizar os sorteios da Santa Casa da Misericórdia. Uns não responderam…

O que é uma resposta típica no nosso país…

Outros explicaram que não tinham nada a ver com o assunto, que era uma iniciativa particular e que a entidade que promoveu o concurso é que tinha de dar explicações.

E assim ficaste vigarizado, consciente mas impotente!

Agora que estamos a falar destas coisas, e que o Alfredo contou esta história antiga, tenho uma recente. Sabias que há um bacalhau à venda para este Natal que oferece viagens ao país onde foi pescado? É verdade! Comprei-o porque era de boa qualidade e, já que o fiz, quis concorrer. Era simples: mandar uma mensagem para um número (telefónico) e indicar alguns algarismos do documento de compra. Como o custo do envio anunciado era muito baixo concretizei. Qual não foi o meu espanto quando, tanto a minha esposa como eu, recebíamos sempre a informação de que a mensagem não tinha sido entregue.

Tanto tu como a tua esposa tinham algum bloqueio na configuração do telemóvel!

Foi o que pensei! Mas mesmo dando as permissões máximas, a mensagem não entrava. E como considero um dever cívico não me calar contactei a entidade organizadora do concurso que foi céleres a responder, embora com algumas incongruências. Nesses contactos informaram-me que era a operadora T que estava encarregue de organizar o serviço de recepção das mensagens. Veio-me à cabeça uma pergunta estúpida: será que só os compradores de bacalhau com telemóveis dessa operadora é que podem concorrer?

Seria absurdo!

Absurdo mas real. Tendo solicitado a um amigo, com aparelho dessa operadora, que procedesse da mesma forma que nós, ele teve de imediato a informação de que era um serviço especial e forneciam os dados para aceder-lhe. E, de seguida, a mensagem foi enviada e recebida.

Levas-me contigo quando ganhares a viagem?

Nada disso amigo. A mensagem foi enviada e a resposta recebida de imediato: “… Ainda não foi desta vez que ganhou.”

Não era entre todas as mensagens recebidas que deveria haver, depois da data limite, o sorteio?

Admito que sim, mas o mecanismo obscuro da operadora, para além de ter recebido o valor acrescentado, deu logo a sentença.

Já percebi que também tu não telefonaste para ganhar os 70.000!

Concursos de sorte exigem transparência e controlo. Transparência na escolha por parte do candidato, nas regras do concurso, na visualização do sorteio por parte dos interessados. Controlo por parte de entidades públicas de reconhecida idoneidade, identificação de instância de recurso perante qualquer anomalia. Concursos cujo resultado sai de um “buraco negro” são de rejeitar.

Mas há sempre o anúncio de um vencedor! Às vezes até éo audível ou visível!

Pode ser o coelho tirado da cartola do ilusionista, sem qualquer credibilidade.

Desculpem intrometer-me na vossa conversa, mas não pude deixar de ouvi-la enquanto tomava o café. O que parece particularmente grave é ver a impunidade com que se tira dinheiro aos crédulos explorando a iliteracia financeira! Aproveitado as dificuldades de muitos de nós!