António João Maia, Jornal i

Seria aconselhável que as instituições da justiça encontrassem formas mais adequadas e institucionais de comunicar com a sociedade sobre a sua acção

 

Como escrevíamos aqui neste espaço há cinco semanas em “Corrupção – um problema de todos”, a corrupção, sobretudo quando assume contornos de escândalo, enche os noticiários e as primeiras páginas dos jornais de modo tão avassalador e espetacular, que nos retira espaço para olharmos para outros problemas sociais de igual ou porventura maior importância. Vimos também, e os estudos académicos conhecidos têm-no demonstrado, que é sobretudo a partir do que lhes chega pelos meios de comunicação social que as pessoas constroem e verbalizam as suas perspectivas sobre o problema.

Entretanto, como que propositadamente, entraram na cena mediática portuguesa alguns casos de enorme intensidade e impacto, envolvendo figuras de grande destaque da vida social, contribuindo uma vez mais, à sua medida, para esse processo de construção e reconstrução da perceção social da corrupção.

Todavia e à semelhança de outras situações, que têm ocorrido não só em Portugal mas um pouco por todo o mundo desenvolvido, a grande fonte das informações que são veiculadas pelos media são invariavelmente os correspondentes procedimentos judiciais. Em si mesma, diremos que esta situação é normal. Afinal é no âmbito de tais procedimentos que se procuram e recolhem os elementos esclarecedores dos factos ocorridos e, caso existam e sejam encontradas, as provas indiciadoras da ocorrência dos delitos sob suspeição, com base nas quais se sustentam e aplicam depois as penas correspondentes.

E será justamente neste ponto que, sobretudo relativamente a situações de escândalos, encontramos uma situação que configura um conflito de interesses na dinâmica de funcionamento da sociedade como um todo.

Por um lado temos o segredo de justiça associado aos procedimentos criminais em que se procura esclarecer esta tipologia de crime, que em Portugal está constitucionalmente assegurado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e melhor concretizado no artigo 86º do Código do Processo Penal, e que deriva justamente de se assumir o pressuposto, também ele constitucional – e, acrescentamos nós, racional –, do direito à presunção da inocência que todo e qualquer suspeito possui até ao final do processo.

Mas, por outro lado, temos o mesmo texto constitucional a assumir, no artigo 38º - e bem, dizemos também nós –, a garantia da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social a informar a sociedade sobre assuntos que lhe importem, incluindo o acesso a fontes de informação e a protecção da independência e do sigilo profissional.

Em suma e de acordo com os princípios constitucionais, temos ao mesmo tempo uma sociedade que quer salvaguardar a imagem e o bom-nome dos suspeitos, mas que, quando surgem sinais de dúvida, quer espreitar, antes do tempo devido, para procurar perceber o que efectivamente se passa.

A questão que importa colocar é que no centro destas duas forças contrárias – a que não pode mostrar e a que quer ver – estão invariavelmente pessoas que, como num passe de mágica, se vêem repentinamente debaixo dos holofotes da sociedade, com os mais que prováveis efeitos negativos e irreversíveis que a situação possa apresentar em termos de um julgamento público, sobretudo se após as investigações nada for concluído relativamente a práticas incorrectas ou indevidas.

Por tudo isto e como tínhamos já verificado em “Corrupção: realidade e percepções – o papel da imprensa”, seria aconselhável que, sobretudo neste tempo mediático em que os processos de comunicação são globais e muito rápidos, as instituições da justiça encontrassem formas mais adequadas e institucionais de comunicar com a sociedade sobre a sua ação, por exemplo através de gabinetes de imprensa com comunicados formais que apresentassem os elementos que pudessem ser divulgados, de modo a esclarecer a sociedade sem colocar em causa os direitos naturais daqueles que estão a ser investigados.