Óscar Afonso, Visão on line,
A coerente e sensata análise do Papa Francisco...
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Qual é o melhor tipo de Economia? Genericamente falando, a Economia (ciência e actividade) tem o poder de melhorar ou prejudicar significativamente a vida de muita gente, e a resposta a esta recorrente questão depende naturalmente de quem faz a pergunta. Um empresário desejará uma Economia que garanta a maximização do lucro e, se possível, logo no curto prazo. Um governo pretenderá uma Economia que ajude na manutenção do poder (reeleição). Um consumidor quererá uma economia que possibilite a maximização da utilidade.
Em termos de actividade económica, há quem não entenda que, sobretudo desde o início dos anos 80, vivemos acorrentados a interesses que não são nossos, mas de uma estrutura política e económica que não deixa de explorar física, intelectual e psicologicamente muitos para que poucos, muito poucos, decidam sobre como quase todos temos de viver. Neste modelo, a maioria mal consegue o que comer e outros consomem avidamente: actualmente, um quinto da população mundial dispõe de menos de 2% da riqueza global – dá que pensar!
Não admira que, ao mesmo tempo, em termos de ciência, os economistas, mais ou menos isolados na construção de modelos matemáticos, não tenham conseguido satisfazer todos. Efectivamente, a frieza de raciocínio que marcou e marca essa Economia, envolvida em modelos, formas funcionais, variáveis, parâmetros, condições, gráficos, taxas e indicadores matemáticos precisa de ser repensada, principalmente sob a perspectiva de valorizar o cidadão e a sociedade.
Parte daí a coerente e sensata análise do Papa Francisco que, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, analisa a Economia global e, sem ter a pretensão de discutir teorias económicas, aborda, como questão central, a necessidade da Economia assentar na dignidade da pessoa humana. Só nesse caso a Economia é então “a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum, que é o mundo inteiro”.
A concretização dessas palavras remete para um modo de fazer Economia em que os processos económicos, nas suas diversas manifestações, não podem ser analisados e pensados apenas em termos economicistas, porque o objectivo central da Economia, para desespero de alguns, não é mesmo o dinheiro, mas sim as pessoas, não é o mercado e a mercadoria, mas sim os desejos e incentivos de cada um de nós.
Por isso, o interesse que deve nortear esta ciência social, não exacta, é o indivíduo e a sociedade, e não a acumulação mercantil: antes de existir o dinheiro já existia a vida, as necessidades sociais e os seres humanos. Deve então fazer-se o melhor possível para todos, visando atender as necessidades humanas e de preferência no menor tempo possível.
O tempo é pois muito valioso, devendo a Economia responder de imediato aos interesses da sociedade. Talvez tenha sido por isso que John Maynard Keynes afirmou que “no longo prazo todos estaremos mortos”, chamando, creio eu, a atenção para a necessidade de se fazer de imediato uma Economia capaz de suprir as necessidades humanas.
Em suma, e usando palavras recentes do Papa Francisco, há que “não [...] confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado”, sendo que infelizmente “hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. [...] O ser humano é considerado [...] como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. [...] Uma das causas desta situação está na relação [...] com o dinheiro, porque aceitamos [...] o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano.” A crise financeira é pois o produto da desregulação, mas também e, sobretudo, da subtração do homem do centro da actividade económica.
E, num desejável novo contexto, aos governos deve exigir-se uma intervenção conjunta, dado que, com a globalização, os actos económicos se difundem no mundo inteiro. Por isso “[...] nenhum governo pode agir à margem de uma responsabilidade comum”, porque “se realmente queremos alcançar uma economia global saudável, precisamos [...] de um modo mais eficiente de interacção que [...] assegure o bem-estar económico a todos os países e não apenas a alguns.”
Acresce que a solução não está na caridade pessoal, porque “o crescimento equitativo [...] requer decisões, programas, mecanismos e processos [...] orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo”, exigindo-se “trabalho digno, instrução e cuidados de saúde para todos os cidadãos”. A caridade deve pois ser “princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também nas macrorrelações [...].”