José António Moreira, Jornal i,

De há algumas, poucas, semanas a esta parte Chipre passou a fazer parte das nossas vidas. Já antes fazia, enquanto membro dos mesmos espaços europeus a que Portugal pertence. Agora passou a ser a companhia que nos desperta pela manhã, que nos acompanha ao almoço e que nos prepara para um sono de pesadelo quando, ao deitar, ainda temos coragem para ver e ou ouvir as últimas notícias do dia.

Os detalhes do acordo de saneamento do sistema financeiro cipriota foram sobejamente divulgados e discutidos na comunicação social. Igual ênfase não foi dada, porém, à discussão da atuação das estruturas dirigentes da União Europeia (EU) e do Banco Central Europeu (BCE) neste processo.
Ao longo dos últimos três anos a banca europeia foi sujeita, por diversas vezes, aos denominados “testes de stress”, destinados a averiguar a solidez financeira dos principais bancos, onde estavam os cipriotas, agora na eminência da falência.
Em outubro de 2011, o resultado de mais um desses testes referia que a banca cipriota era saudável. Parecer que o presidente do Banco de Chipre (comercial) utilizaria para se vangloriar publicamente da robustez do seu banco e justificar a (arriscada) estratégia de negócio seguida. Isto, quando a elevadíssima exposição de tais bancos ao risco da dívida grega parecia aconselhar que outro fosse o parecer. Cerca de um ano depois, já após o “perdão” de parte da dívida grega, o teste conduzido referia que as necessidades de capital deste último banco seriam da ordem de 1,8 mil milhões de euros.
A recente notícia da eminente falência da banca cipriota caiu como uma bomba nas nossas vidas, já de si atormentadas por problemas financeiros próprios. Não explicava como era possível que apenas cinco meses depois do último teste o “buraco” tivesse aumentado cinco vezes!
Também não trazia qualquer referência a uma hipotética intenção dos dirigentes europeus em apurarem responsabilidades pessoais pelo sucedido. Não transmitia a mais leve centelha de esperança de que seria lançado um inquérito para se averiguar como foi possível ter-se chegado onde se chegou, como foi possível que testes que custaram fortunas não tivessem fornecido uma radiografia da situação calamitosa de tais bancos.
Tal omissão só pode significar uma coisa: a situação era conhecida dos dirigentes mas escondida dos cidadãos. Sinto-me defraudado. Andam deliberadamente a enganar-nos e nem sequer procuram escondê-lo.
Que confiança podemos ter no sistema financeiro? Pior, que confiança podemos ter nos dirigentes da EU e do BCE que, conhecendo a situação, adiaram a resolução do problema até os bancos cipriotas quase soçobrarem e, então, num ato pouco pensado, propuseram uma solução “sem pés nem cabeça”?
Solução que foi retirada quase de imediato, mas não sem custos, pois em países financeiramente frágeis como Portugal não deixou de minar ainda mais a confiança no sistema e poderia mesmo ter desencadeado uma corrida aos bancos.
E não há responsabilidades atribuídas. E não parece que venham a existir. Assim não vamos lá, com dirigentes nacionais que criam autênticos “cocktails” explosivos, que afetam todos os cidadãos europeus e não apenas os seus concidadãos, e com (ir)responsáveis dirigentes europeus que parecem não estar abrangidos pelo dever básico de prestarem contas dos seus atos.
Assim não vamos lá.