António João Maia, Visão on line,
Inevitavelmente a questão do défice público acabou por suscitar a necessidade de redefinir as funções que o Estado deve assegurar e, correlativamente, reajustar a estrutura dos serviços da Administração Pública.
Esta questão imperiosa da redução do défice público é mais ou menos transversal um pouco por todo o mundo, sobretudo nos países ocidentais que no pós-guerra adoptaram o modelo do Estado com funções de apoio social, conhecido como Estado Social.
A crise económica e financeira que se abateu nos últimos anos sobre a Europa, com traços mais vincados nos países do sul, derivou grandemente dos sucessivos défices resultantes dos elevados custos de funcionamento do Estado relativamente à capacidade produtiva das economias para os sustentar.
Com o decurso do tempo esses défices foram-se acumulando, acabando mesmo por se traduzir em dívidas públicas de difícil gestão e, pior do que isso, que ameaçam, se entretanto nada for feito no sentido de as controlar e reduzir, tornar-se num problema para as futuras gerações, na medida em que a manutenção de défices elevados, económica e financeiramente insustentáveis, não é mais do que estar a transferir para as futuras gerações – a empurrar com a barriga, como diz o povo – a necessidade de produzirem riqueza para suportar os gastos excessivos das gerações de hoje.
Ora de um certo ponto de vista, a manutenção desta lógica não pode deixar de ser considerada como uma espécie de atitude com alguns traços de natureza fraudulenta relativamente às expectativas de esforço produtivo que essas gerações vindouras hão-de enfrentar. Esta atitude denotará, ainda que inconscientemente, alguns traços de egoísmo, sobretudo por parte daqueles que reclamam a manutenção do modelo sob o argumento discursivo dos direitos adquiridos. A esses será necessário dizer que a realidade não é o que se determina através de decreto, mas aquilo que efetivamente é, e neste caso concreto os elementos conhecidos acerca da realidade da nossa capacidade económica apontam para uma incapacidade de manutenção deste modelo permanentemente deficitário em termos de contas públicas.
Julgo que é um pouco com base nesta perspetiva, alicerçada naturalmente em detalhes técnicos de maior objetividade, rigor e profundidade, que o Governo do país lançou recentemente o debate público sobre esta problemática e pretende, dentro de algum tempo, definir e adotar medidas que correspondam a uma redefinição das funções que o Estado deve efetivamente assegurar, bem assim como o figurino que a estrutura dos Serviços da Administração Pública deverá apresentar.
Porém este quadro de reflexão não deve estar associado unicamente ao objectivo de redução dos custos. Ele deve conter essa preocupação, como deverá igualmente procurar conhecer e avaliar que modelo de Estado podem e estão os portugueses dispostos a custear, o que significa que as opções que vierem a ser tomadas devem ser muito bem explicadas aos cidadãos, que são afinal de contas os destinatários da ação dos serviços públicos.
O processo de redesenhar o modelo deve procurar centrar-se sobretudo na identificação e caracterização das funções que efetivamente devem ser exercidas pelo Estado – alguns autores consideram que das diversas funções ou áreas que o Estado tem vindo a assegurar, apenas um núcleo central de quatro não podem de todo ser-lhe retiradas, ou seja, não podem ser privatizadas: a Justiça, a Segurança, a Defesa e a Representação Internacional dos interesses do país. As demais, apesar de controladas e supervisionadas pelo Estado, podem ser asseguradas pelo sector privado, ainda que nalgumas situações em concreto possam resultar de uma cooperação, com responsabilidades e riscos partilhados, entre o sector privado e o próprio Estado.
Por fim, o processo de reflexão deverá conduzir à definição da estrutura dos serviços da Administração Pública que previsivelmente melhor assegure tais funções, em termos de eficiência, eficácia e economia.
Pela importância determinante que representa, a abordagem a esta problemática deve ser encarada de forma muito séria e rigorosa, numa lógica construtiva, com uma ampla participação cívica e sempre com elevadas doses de bom senso. A solução que venha a ser encontrada deve resultar de um debate que envolva as forças políticas que têm assento na Assembleia da República, os diversos grupos de interesse da sociedade civil, bem como os indispensáveis pareceres técnicos, sempre mais objetivos e rigorosos, designadamente da academia, provenientes de áreas tão importantes como a economia, a demografia, a sociologia e o direito, de entre outras.
Enquanto cidadão e sobretudo enquanto pai de dois jovens, não tenho grandes dúvidas da importância estratégica e determinante que o debate desta questão neste momento possa representar para as próximas gerações, enquanto factor de desenvolvimento do país.