Rui Henrique Alves, Visão on line,
Há dias, tinha eu no carro um exemplar do mais recente número da Revista Galega de Economia, onde, conforme referi em crónica anterior, tinha publicado um artigo com um colega da Faculdade de Economia do Porto, quando a minha filha, de 9 anos, a descobriu e percebeu que o pai tinha lá publicado alguma coisa. Leu o título (em galego): “O extraño caso do ataque á eurozona: de quen é a culpa?”. E perguntou: “Papá, quem são os culpados?”. Respondi, sorrindo: “O que achas”. Confesso que não esperava a resposta... Pois esta veio assim: “Terá sido dos políticos?”.
Como é possível depreender, os políticos não gozam claramente de grande reputação, quando até as crianças acreditam que a culpa das desgraças por que vamos passando é deles. E, à primeira vista, têm razão. Mesmo que aceitemos, como se refere no artigo mencionado, que, em grande medida, o problema está no inadequado enquadramento institucional da união monetária europeia, este foi criado pelos políticos e a sua manutenção ao longo dos anos, apesar de a realidade evidenciar cada vez mais a necessidade de transformação, também é responsabilidade dos políticos.
Por outro lado, como também se refere no artigo, em casos como o português verificaram-se comportamentos desajustados e insustentáveis no longo prazo, de que o agravamento da dívida pública e da dívida externa constituem os melhores indicadores, e que se tornaram nos motores da actual necessidade de ajustamento difícil. Contudo, também aí, pelas decisões erradas frequentemente tomadas e pelas inverdades (ou ocultações deliberadas da verdade) prestadas aos portugueses, há uma responsabilidade essencial dos políticos.
Por falar no caso português e na mesma linha do comentário da minha filha, não posso deixar de citar a situação que, várias vezes nos últimos anos, tem ocorrido quando falo da evolução da nossa política macroeconómica, sobretudo em aulas dirigidas a pessoais com formação exterior à Economia. Costumo começar por evidenciar que a política de estabilização, por definição, deve ser contra-cíclica: se a ideia é ajudar a economia a estabilizar, a política deve ser expansionista em tempos de recessão e restritiva em tempos de expansão. E costumo prosseguir com um comentário, em jeito de ironia, dizendo que, a este nível, a política macroeconómica portuguesa (particularmente a orçamental, pois que da outra já não somos responsáveis) na última vintena de anos poderia constituir um bom case study sobre o que não se deve fazer.
Invariavelmente, a questão que os estudantes levantam a seguir é: “Mas como é isso possível? Os Ministros das Finanças não foram alguns dos mais reputados economistas nacionais?”. E eu vejo-me obrigado a concordar. De facto, olhando para os últimos 20 anos, alguns dos nossos melhores economistas ocuparam o lugar principal da condução da política macroeconómica em Portugal. Mas vejo-me também obrigado a recordar que há diferenças substanciais entre os modelos teóricos que estudamos e o contexto concreto em que a política é praticada. Nos primeiros, para além de a realidade ser simplificada, os políticos não dominam as decisões económicas, ao sabor de interesses políticos e particulares e da necessidade de vencer as próximas eleições. Ou seja, que acredito que, com alguma frequência, os nossos Ministros não puderam tomar as decisões que pretendiam e/ou que se impunham.
Quer também isto dizer que a minha filha tinha razão, que a culpa é dos políticos? Em parte, sim. Mas numa outra parte, nada negligenciável, a verdadeira culpa é de todos nós, afinal aqueles que elegem os políticos e a quem cabe pedir escrutinar a sua ação.
A culpa é nossa, quando desprestigiamos a política, confundindo os bons políticos com os maus políticos e admitindo que todos eles pensam apenas na satisfação dos seus interesses. A culpa é nossa, quando nos alheamos da política e deixamos que o palco seja assumido por políticos incompetentes, sem força ou carácter, muitas vezes profissionais que, na vida quotidiana, não teriam grandes oportunidades. A culpa é nossa, quando esquecemos que devem ser criadas condições para que os potenciais bons políticos venham cuidar da “coisa pública”. A culpa
é nossa, quando não percebemos que, mais que as reformas da saúde, da educação ou da justiça, a reforma estrutural mais necessária é a do sistema político.
Como há poucos dias sustentava Rui Rio, numa conferência na FEP, sem uma reforma que recoloque o primado da política no centro do sistema, dificilmente o bem comum será o principal foco das decisões. E, nessas circunstâncias, como já uma vez aqui sugeri, a nossa democracia poderia assemelhar-se a uma fraude... É hora de lutar por ela!