Pedro Santos Moura, Visão on line,

Accountability é um termo que não tem uma tradução directa para português. A tradução comum para “Responsabilidade” soa a pouco, pois o termo accountability subentende uma responsabilização do sujeito perante outrem, enquanto “responsabilidade”’ pode prescindir desta relação eu-outro. Tenho noção que em Portugal se gosta mais de ‘responsabilidade’ que de accountability, pois uma pessoa pode ser responsável somente perante ela própria e segundo as suas medidas, e mesmo assim ser “responsável”.
Eu prefiro o termo anglófono, visto obrigar a uma vigilância permanente entre pelo menos duas partes, com interesses e perspectivas diferentes, o que leva a uma ética pessoal mais consistente e transparente.
Muitos autores apontam a falta de “responsabilização” típica da cultura portuguesa como um dos nossos piores males enquanto sociedade. Na prática o exercício passa muitas das vezes por sacudir a responsabilidade (em linguagem mais comum, a “culpa”) dos ombros para outro poiso qualquer. E isto de forma sequencial, contínua e tendente ao ponto em que se torna realmente impossível apurar todo e qualquer tipo de responsabilidades. Para além de termos esta tendência cultural enquanto pessoas e povo, albergamos também o enorme privilégio e uma enorme tendência para a burocracia extrema e leis, regulamentações e directrizes labirínticas. Em suma, um belo conjunto de afluentes, percebendo-se bem que tipo de rio vão urdir.
Fazendo a ponte para o fenómeno da fraude (pode-se aqui também juntar corrupção e negligência), não é necessário ter um curso superior em jardinagem para se perceber a relação entre a falta de accountability e o aparecimento de terrenos lamacentos e pântanos esconsos propensos à aparição e crescimento de tão nefastas (e comuns) práticas.
Já que os nossos costumes e leis são poucos dados à tal accountability, deixo aqui de seguida uma sugestão. Começando por “cima”

How to promote higher ‘accountability’ levels in the political body
Continuo com os títulos em inglês. Em duas penas, a minha sugestão passa pela criação de um Observatório Activo de Responsáveis Políticos. Pode-se, por exemplo, começar pelos deputados, agarrando nalgumas notícias interessantes que apareceram com o retomar do ano político na AR (e.g., http://www.inverbis.pt/2012/politico/metade-deputados-acumula-privado).
Muito se fala sobre relações estranhas entre deputados e outros interesses, situações profissionais incompatíveis, falta de transparência nos sentidos de votação dos grupos parlamentares, etc. Mesmo havendo a presunção da inocência (até prova em contrário), é generalizada a noção que há muito fumo pelas bandas de S. Bento. E com o flagelo apocalíptico da recente época de fogos estivais (porque não chamar “época de fogos estivais”?) é de bom tom estar bem alerta para possíveis fogos debaixo destes fumos.
Numa perspectiva mais objectiva, o Observatório que aqui proponho deveria ter um funcionamento similar a uma Wiki (http://pt.wikipedia.org/wiki/Wiki) sem estar debaixo da alçada directa de nenhuma entidade. Deveriam ser os cidadãos e entidades colectivas, em conjunto, que introduziriam e geririam colaborativamente os conteúdos.
Este Observatório deveria ser de livre acesso, fácil de usar, e deveria conter pelo menos a seguinte informação:
• Dados pessoais de cada Deputado (e porque não candidato a Deputado), percurso profissional (público e privado), declarações de interesses, iniciativas legislativas, declarações de Impostos (esta é forte, eu sei), etc.;
• Mapa histórico de relações de cada Deputado a partidos políticos, organizações políticas, cargos profissionais públicos e privados, outras instituições, empresas, fundações, etc., etc.;
• Notícias que envolvessem cada Deputado, com tags que permitissem correlacionar dados de relações e envolvimentos em temas;
• Outro tipo de informações, que sem entrar no domínio da esfera privada de cada Deputado, permitisse aumentar bastante o nível de transparência envolvendo a AR, os respectivos Deputados e o trabalho aí desenvolvido, proporcionando assim uma melhor capacidade colectiva de escrutínio.
A definição exacta da informação a estar disponível poderia ser definida sob o patrocínio de entidades totalmente independentes do Estado ou outro tipo de poderes políticos como o OBEGEF (Observatório de Economia e Gestão de Fraude) ou a Transparência Internacional, sempre com a colaboração da sociedade civil. O desenvolvimento do site poderia ser feito por voluntários. Aposto que há por aí muito informático que gostaria de participar na sua construção (voluntários?!)
Imagino que muitos verão numa proposta deste tipo o “papão da PIDE” ou algo ainda mais dramático. Haja honestidade intelectual e cívica para se perceber que quem é Deputado tem de se sujeitar ao escrutínio contínuo do povo, não somente no dia das eleições para a AR (aí já está tudo mais que cozinhado, excepto pequenas surpresas*).
Se queremos, enquanto pessoas, povo e nação realmente mudar algo, temos de ir ao cerne das questões. E o cerne não são o défice, ou o desemprego, ou as agências de rating: somos nós, a nossa base moral, os nossos valores, a nossa coragem (ou cobardia) de nos olharmos de frente, de reconhecermos o que temos estragado e de refazer aspectos fundamentais da nossa conduta.
Só vencendo-nos, ultrapassando-nos, conseguirmos vencer o futuro.

OBEGEF goes International
Continuando a invasão anglófona de headlines, é imperioso referir aqui a conferência Interdisciplinary Insights on Fraud and Corruption (Percepção Interdisciplinar da Fraude e Corrupção), organizada pelo OBEGEF e decorrida no Porto de 13 a 15 de Setembro passados. É um marco da maior importância para o OBEGEF, servindo definitivamente para colocar Portugal no mapa (e rede) mundial do combate a fenómenos como a Fraude, Lavagem de Dinheiro, Corrupção e Economia Paralela. Desta vez por boas razões.
O OBEGEF e esta conferência são uma iniciativa participada da Sociedade Civil. São o exemplo de que é possível. Somente isso: possível. Basta vontade, voluntarismo e um forte desejo por um futuro melhor. Basta deixar de falar mal de tudo e tentar fazer algum bem a tudo. Basta saber que mesmo com dificuldades, haja coração que o pior se enfrenta. E com bons resultados.
Parabéns OBEGEF!

Nota:
*Aproveitando o momento: para quando podermos votar directamente num Deputado e não num Partido? Não há nem uma real escolha quando se vota num Partido (é o Partido quem realmente escolhe quem é eleito), nem a mínima capacidade de se ir pedir contas a um dado Deputado, visto serem apenas ‘mais um’ num mar de disciplina partidária. Não é esta a democracia que quero. Círculos uninominais, por favor. E já agora um café e uma água das pedras, para ver se conseguimos realmente acordar para outro dia.