José António Moreira, Visão on line,
No meu caso, as leituras de Verão catalogam-se em dois grupos principais: o das que foram leves como a brisa marítima, refrescantes e retemperadoras; o das que, embora importantes, foram pesadas e me deixaram a pensar, contribuindo para um certo desassossego pessoal.
O livro “The Coming Jobs War” (Gallup Press, 2011), de Jeff Clifton, enquadra-se neste segundo grupo. Partindo da discussão da incapacidade da economia mundial em gerar empregos que cubram as atuais necessidades, o autor aborda as consequências que essa incapacidade tem a vários níveis, nomeadamente, para o caso dos Estados Unidos, na sustentabilidade do sistema de segurança social. Alerta para os riscos sociais subjacentes ao facto desse sistema estar próximo de furar uma barreira perigosa que é a de baixar dos atuais três contribuintes por pensionista, considerado como o ponto mínimo de sustentabilidade.
Senti um calafrio, num dia de calor. Pensei no sistema de segurança social português. Fui certificar-me, recorri às estatísticas disponíveis. O quadro seguinte mostra a situação que encontrei.
Anos Pensionistas
Total Seg.
Social Caixa Geral Aposentações
2000 55,6 47,5 8,2
2001 55,7 47,5 8,2
2002 55,8 47,4 8,3
2003 56,2 47,5 8,7
2004 57,2 48,3 9,0
2005 57,8 48,6 9,1
2006 58,4 49,0 9,4
2007 59,0 49,5 9,5
2008 59,9 50,1 9,8
2009 61,3 51,2 10,1
2010 62,2 51,9 10,3
Fonte: Pordata. Pensionistas em % da população activa: total, da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
Panorama assustador. Em 2010, a proporção “contribuinte por pensionista” era de apenas dois contribuintes por cada 1,3 pensionistas. Mas, tão ou mais assustador, é a evolução que essa proporção tem verificado. Tudo o mais constante e supondo que esta continua a crescer para futuro ao ritmo atual de 1,5% ao ano, dentro de cerca de 30 anos a proporção (total) terá baixado para um contribuinte por pensionista.
Porém, como se tudo isto não fosse suficientemente assustador, dois elementos adicionais tornam o cenário tenebroso: por razões demográficas e de crescimento do desemprego, o número de novos contribuintes para o sistema tenderá a crescer muito lentamente ou, mesmo, a decrescer; em contraste, a esperança média de vida da população contribuirá para o aumento do número de pensionistas a uma taxa superior à da entrada de novos contribuintes.
Nestas condições, a não ser que o orçamento do Estado consiga financiar o défice do sistema de segurança social – o que não será o caso – o sistema não será sustentável a relativamente curto prazo. No limite, se pura e simplesmente não colapsar – porque os governos podem, sempre, ir alterando as “regras do jogo” –, as pensões que o sistema pagará irão ser tão residuais que deixarão de cumprir o objetivo que lhes está subjacente, isto é, permitir a sobrevivência dos reformados.
Um sistema como o português, exclusivamente baseado na distribuição das contribuições recolhidas – dito sistema de solidariedade –, consubstancia um verdadeiro “esquema de Ponzi”. Quem está no topo da pirâmide (os pensionistas) só recebe na medida e enquanto existirem contribuintes; estes, por sua vez, se não existirem novos entrantes no esquema, ou se forem em número insuficiente, quando chegar a sua vez de serem pensionistas pura e simplesmente não terão direito a receber qualquer compensação, por muitos que sejam os anos de contribuição.
Não fosse este tipo de esquema gerido pelo Estado, e portanto suportado por lei, e os respetivos mentores estariam neste momento na prisão, ou em vias de lá irem parar, por defraudarem os aderentes ao sistema.
Nestes últimos dias muito se falou (e ainda fala) de um enorme aumento da “taxa social única” a cargo dos contribuintes do sistema. Sem uma alteração deste, que passe a contemplar uma componente de capitalização individualizada, retirada das contribuições de cada participante, esse aumento consubstanciará um efetivo aumento de impostos, ao mesmo tempo que é um modo de (continuar a) defraudar as expetativas daqueles que ainda não chegaram ao topo da pirâmide do esquema.
A solidariedade tem de ser um princípio básico da vida em sociedade. Não pode, no entanto, ser a cobertura para situações de injustiça inter-geracionais. Do mesmo modo que se defende – e bem – que não se devem sobrecarregar as gerações vindouras por via do endividamento que o Estado atualmente contrai, também não se pode, em nome da proteção das gerações atuais de reformados, desproteger, inapelavelmente, as atuais gerações de contribuintes, futuros reformados. Pode ser difícil encontrar um ponto de equilíbrio, mas tem de ser conseguido. Em nome do presente, e do futuro.