Carlos Pimenta, Visão on line,

21.000.000.000.000 de dólares
Um estudo recente da Rede de Justiça Fiscal (TJN) com sede em Londres calculava que a fortuna privada depositada em 2010 nos paraísos fiscais oscilava entre 21 e 32 biliões de dólares dos Estados Unidos. Biliões portugueses, triliões anglo-saxónicos.
São números demasiado elevados para termos uma percepção clara do seu significado quantitativo. Alteremos as referências para nos apercebermos melhor:
• Recorde-se do Monte Everest com os seus quase nove quilómetros de altitude, desafio máximo dos alpinistas. Coloque ao seu lado um monte de notas de 100 dólares. A altura desse monte corresponderia a 45 mil milhões. Enfim os valores acima referidos correspondem a um monte de notas de 100 dólares com a altura de 460 montes Everest, no mínimo, e de 702, no máximo.
• No caso extremo essa riqueza privada nos paraísos fiscais corresponde a metade do produto mundial nesse mesmo ano, de 2010, e a duas vezes o PIB de toda a União Europeia. Como grandes países são pequenos ao lado desta liquidez privada: todo o rendimento criado durante um ano nos EUA andará apenas por 45 a 70% daqueles valores.
• As origens dessas fortunas são diversas. Algumas delas obtidas legalmente, muitas outras ilegalmente, quase todas actuando de forma a fugir à obrigações fiscais. Vamos admitir que 20% desse montante corresponde à fuga fiscal. Tomando um valor intermedio resultaria desse pressuposto que cinco biliões de dólares andariam rindo dos Estados e dos cidadãos dos diversos países. vinte e três vezes o produto português desse mesmo ano medido pelo Banco Mundial (PIB nominal à taxa de câmbio do mercado). Isso mesmo 23 vezes!
***
- Oh compadre, estou todo baralhado com estes números! Contudo, há coisas de que me percebo e até me põem mal disposto.
- Perante estes valores percebemos porque os offshores são a hipocrisia do sistema. Os políticos falam em “acabar”, “regular”, “controlar” os paraísos fiscais mas todos os dias novos recursos são aí depositados, novas instituições são criadas, novas lavagens de dinheiro se realizam.
- Só veem mal nas coisas. Estão sempre no contra. Não digo que não haja nos paraísos fiscais dinheiro que resultou do tráfico de droga, da comercialização ilegal de órgãos humanos e de outras acções do mesmo tipo, mas também há muito dinheiro ganho honestamente.
- Admito que sim, metendo pelo caminho umas empresas sem funcionários que apenas são intermediárias para operações inventadas…
- Podes não concordar com essas invenções de contabilidade criativa mas olha que até revelam espírito de iniciativa. E nunca te esqueças que muitas dessas criações de empresas e a própria utilização dos paraísos fiscais são legais. Totalmente legais. Cada pessoa ou empresa tem o direito de fazer o seu planeamento fiscal.
- Oh compadres, continuo baralhado. Quando o patrão me retém uma parte do meu salário e eu entrego o IRS ninguém me falou em planeamento fiscal. Tinha direito a isso e não sabia?
- Dizes que muitas dessas operações são legais, nos países de origem e nos paraísos fiscais. Mas é isso que me assusta porque revela que também estamos a ser governados por Estados que são coniventes com as más práticas comerciais, com a falta de ética, com a ausência absoluta de transparência. Em vez de serem os Estados a regular e a fiscalizar são eles que são regulados e fiscalizados.
- Oh compadres, o que vossemecês estão a falar tem alguma coisa a ver com o recente perdão fiscal e a ridícula taxa de imposto atribuída?
- O que é legal é legal. Ponto final.

Falciani em Genebra
Hervé Falciani trabalhava no sistema informático do banco privado HSBC em Genebra, um dos poderosos bancos situado na maravilhosa Suíça, um dos países onde o segredo bancário é sagrado. É um dos mais antigos paraísos fiscais.
Muito do dinheiro ganho, de qualquer forma, na Europa se encaminha para lá: é um Estado soberano antigo, é opaco às informações financeiras, há facilidades de transferência bancária e no caso de qualquer dificuldade é um pulinho em qualquer meio de transporte.
No exercício das suas funções profissionais Falciani tinha acesso a todas as contas bancárias. Resolveu um dia roubar essa listagem de clientes e movimentos. Decorria o mês de Outubro do ano pré-crise de 2006.
Dilemas morais? A resolução consciente entre ser cumpridor das suas funções informáticas e denunciar a lavagem de dinheiro e a fuga aos impostos? Nada disso. Nem se poderá invocar o ditado “quem rouba a ladrão tem cem anos de perdão” porque o seu sonho era, assim parece, ser igual a eles.
Uma história rocambolesca que acabou com a posse dessa base de dados pelo governo francês, seguindo-se uma batalha legal entre a França e a Suíça.
Segundo as notícias conhecidas alguns escândalos financeiros e fiscais envolvendo figuras gradas, incluindo o então Presidente da República de França, foram descobertos a partir dessas informações. Também segundo essas mesmas notícias o governo francês “enviou cópias para todos os países com quem tem tratados de cooperação fiscal e que as solicitaram”.
***
- Não está certo, o Falciani quebrou as regras do exercício das suas funções, o seu código deontológico.
- Não sei se esse código está oficialmente estabelecido, mas nos dias de hoje a segurança e liberdade de todos nós depende muitíssimo do comportamento dos gestores dos sistema informáticos.
- Oh compadres, o que eu gostava de saber, é se essas informações dadas pelo governo francês também chegaram a Portugal e o que é que isso permitiu descobrir…