Nuno Moreira, Visão on line,
O Governo acaba de aprovar uma proposta de lei do regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais, a qual se insere na reforma da administração local em curso.
Segundo o Livro Branco do Setor Empresarial Local, publicado em Novembro de 2011, existem 466 empresas municipais, de todos os tipos. Estas empresas estão inseridas em 179 Municípios, cerca de 58% do total e, segundo o Ministério das Finanças, têm um endividamento de 1,5 mil milhões de euros.
O mesmo Livro Branco reconhecia que “os indicadores globais de sustentabilidade económica e financeira do setor não revelam um problema global de insustentabilidade, mas existem claramente casos que exigem atenção imediata face aos níveis elevados de fragilidade financeira detetados.”
A proposta de lei agora aprovada prevê a obrigatoriedade da extinção das empresas locais sempre que:
i. A entidade pública contratante tenha de cumprir obrigações assumidas pela empresa local para as quais o respetivo capital se revele insuficiente;
ii. As vendas e prestações de serviços realizadas, durante três anos desde o início efetivo de atividade, não cubram, pelo menos, 50% dos gastos totais incorridos;
iii. Quando se verificar que nos últimos três anos o peso contributivo dos subsídios de exploração tenha sido superior a 50% das suas receitas;
iv. Quando se verificar que nos últimos três anos consecutivos o EBITDA (resultado operacional) – CAPEX (investimento) da empresa tenha sido negativo.
Pode constatar-se, nomeadamente, imprecisão na utilização de certos conceitos utilizados, bem como falta de clareza relativamente a algumas expressões utilizadas.
Sobretudo, é difícil perceber que qualquer um deles seja proposto como indicador de suporte a uma eventual decisão de extinção de uma empresa municipal. Olhando cada um deles de forma isolada, não será difícil associar a cada um, objetivos prováveis que levaram à sua formulação; mas, ao refletir sobre estes potenciais objetivos, propor algum destes critérios como critério de extinção é seguramente despropositado. Acresce ainda que tem vindo a ser divulgado que, basta que estas empresas sejam abrangidas por apenas um deles, isoladamente, para terem desde logo a extinção no seu horizonte.
Com este regime e subjacentes critérios, é o próprio Secretário de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa, no final do Conselho de Ministros do passado dia 3 de Maio a reconhecer que “Aproximadamente metade das empresas não cumpre os critérios agora estabelecidos”. Ou seja, poderão vir a ser extintas cerca de 200 empresas municipais.
E, as Assembleias Municipais, têm seis meses, após a promulgação da lei pelo Presidente da República, para adotar os critérios hoje aprovados.
Deveremos ter presente que não existe nenhum critério ou indicador, com um caráter de excelência tal, que, de forma isolada, permita suportar a extinção de uma determinada organização.
Por outro lado, com a margem de manobra que o atual normativo contabilístico continua dar, relativamente a eventuais procedimentos “criativos”, é mais fácil adotar este tipo de “criatividades” tendo por “alvo” um indicador apenas, do que quando tencionamos fazê-lo para mais do que um.
A Contabilidade “criativa” e mesmo a fraude contabilística têm sempre subjacente um determinado incentivo prévio. Este incentivo, pode perfeitamente ser o cumprimento daquele critério específico que poderá levar à extinção, não desejada, de determinada empresa municipal.
Diagnosticar as fragilidades destas empresas e avaliar a sua viabilidade, bem como de qualquer outra organização, nunca poderá passar pelo resultado obtido num único critério ou indicador, durante 3 anos consecutivos.
Se, por hipótese, se aplicasse este regime e critérios às empresas do setor privado, em especial o IV critério anteriormente referido (EBITDA – CAPEX, positivo), assistiríamos a uma vaga de “fechar de portas” nos mais diversos setores que, em conjunto com os números preocupantes das insolvências em Portugal, seria certamente incomportável para o país.
Qual é a empresa que através das suas atividades operacionais consegue gerar fundos suficientes aos investimentos de que necessita no âmbito do seu plano estratégico, sem recurso a endividamento?
Creio que a linha de orientação que faria mais sentido, seria a construção de um conjunto confortável e adequado de critérios (e nunca apenas um), devidamente ponderados com o contexto e realidade de cada município que, cumulativamente, pudessem levar numa primeira fase a um diagnóstico abrangente e, subsequentemente, a uma decisão estratégica alicerçada de forma efetiva.
Como referia o Livro Branco “… existem claramente casos que exigem atenção imediata face aos níveis elevados de fragilidade financeira detetados.”. Contudo, o regime agora proposto pode e deve ser melhorado quer numa perspetiva mais técnica quer numa base de razoabilidade, perspetivando a imprescindível reforma do Poder Local mas tendo sempre presente a manutenção da sua dignidade.