Oscar Afonso, Visão on line,

Como o título indica, na crónica de hoje falarei naqueles que, em minha opinião, são os principais culpados da actual crise e naqueles que infelizmente são as principais vítimas. Indo directo ao assunto, considero que há culpados internos e externos, e que as vítimas são sobretudo os desempregados, os funcionários públicos dedicados, os filhos destes dois grupos de indivíduos, e os reformados.
Na minha opinião, os principais culpados internos são naturalmente os últimos (des)Governos, pela anuência na acumulação de desequilíbrios (desemprego, défice comercial, défice público) e mordomias. Se o mal não é recente, foi sobretudo nos últimos anos que tudo se complicou, em face de taxas de juro baixas e de (aparente) ausência de limitações ao crédito. A estratégia de empréstimos para pagar juros e inutilidades substituiu a noção de sustentabilidade financeira. Só para citar alguns exemplos, recorde-se a realização de obras desnecessárias, como o caso de alguns dos estádios de futebol, e a intensificação das Parcerias Público Privadas e SCUTs para todo o lado. Investimentos esses geralmente com rendibilidade garantida pelo Estado acima da rendibilidade económica. Vigorou, diga-se, a lei do faz-se hoje (“gasta-se”) e amanhã logo se vê (“quem vier que feche a porta”). Recorde-se o desincentivo à poupança e o estímulo ao endividamento das famílias (lembre-se da descida das taxas de juro dos certificados de aforro). Recorde-se ainda o caso particular da “nacionalização dos prejuízos” privados do BPN. Quanto às mordomias, são inúmeros os casos de reformas ostentosas resultantes de ocupação de cargos políticos em curtos períodos de tempo, por parte de indivíduos usualmente incompetentes, e são igualmente inúmeras as “chafaricas” públicas com conselhos de administração com motoristas, salários principescos, despesas pagas e … prejuízos. O descalabro culminou no festivo ano de 2009. Nesse ano, para a conservação do poder, houve lugar à descida da taxa normal do IVA, ao aumento dos salários acima do possível, … e até a factura da electricidade se viu temporariamente livre de algumas taxas que, actualmente, representam mais de 30% do custo da factura.
Todo este desperdício gerador de défice comercial e défice público, e todas as falsidades para condicionar as expectativas foram insuficientes para travar o aumento do desemprego, a desaceleração do crescimento económico e o aumento da dívida. Só quando face aos desequilíbrios acumulados o rating da dívida baixou e as taxas de juro passaram a registar níveis impensáveis foi possível dar conta da situação em que nos encontrávamos. Se é certo que sofremos da incapacidade dos Estados à escala global para fazer legislação que coloque o sistema financeiro na ordem, porque, nesse caso, os políticos no poder ficariam sem o financiamento político, é igualmente verdade que a nossa situação actual se deve sobretudo ao (des)Governo interno que nos “colocou a jeito”.
Perante a dramática situação interna o Estado curvou-se perante a troika e a solução tem passado por penalizar os trabalhadores e reformados em geral, e os funcionários públicos dedicados em particular. No sector privado a redução da actividade económica tem passado sobretudo pelo aumento dramático do desemprego. Situação fatídica num contexto em que não se antevê solução rápida. Provavelmente a solução passará pela emigração e, portanto, em muitos casos pela triste separação de pais e filhos com o consequente impacto na vida e relação familiar. Por sua vez os “cortes” nas pensões de reforma, sobretudo nas mais modestas, conjugadas com “cortes” no sector da saúde não augura nada de bom para esta classe de concidadãos tão carenciada. O sector público relativamente intensivo em trabalho qualificado (já que inclui professores, médicos, juízes e outros trabalhadores com curso superior da administração pública) tem assistido à acentuada diminuição da remuneração conjugada com o aumento da carga de trabalho. São inúmeros os casos de funcionários públicos com curso superior que ganham em torno dos 800 euros brutos com tudo incluído e sem descontos, e que raramente conseguem sair do posto de trabalho antes das 20h, desde logo porque houve aposentações sem substituição. São inúmeros os casos de funcionários públicos que trabalham sem condições em edifício degradado, com computadores e sistemas informáticos ultrapassados e com grande responsabilidade, para ganhar cerca de 600 euros líquidos. São, refira-se ainda, pagadores da totalidade dos impostos devidos e, porque tudo é registado, não possuem rendimento por fora, nem isenção de taxas moderadoras, nem direito a automóvel da empresa e nem pagamento de despesas. Se até agora dificilmente podiam, por exemplo, comprar um seguro de saúde e ir médico desejado, com os “cortes” anunciados começa a ser difícil educar condignamente os filhos (tal como acontece com os desempregados).
O pior é que sem a ajuda (e com a incompetência) da União Europeia a curvatura perante a troika irá continuar. Resta saber qual é o limite!