Mariana Costa, Visão on line,

Numa aula de Filosofia do Direito, na faculdade, o Professor perguntou uma vez aos alunos se preferiam ter direito a um Ferrari, ou um Ferrari, sem ter direito a ele.
Sou fã confessa de direitos; aliás, gosto tanto deles que dedico a minha carreira profissional a estudar como os direitos se adquirem, se transmitem e − tema de elevadíssima actualidade − se extinguem. Por isso mesmo, imaginei-me logo a entrar no stand de automóveis, orgulhosa portadora do meu direito ao Ferrari.
A verdade é que não compreendi a pergunta até ter entrado em contacto com o mundo judicial, em particular com os meandros da acção executiva em Portugal.
A acção executiva é um tipo de acção judicial que visa a realização coerciva das providências destinadas à reparação do direito violado de um sujeito (1).
No exemplo acima, admitindo que o meu direito sobre o Ferrari é um direito de propriedade e que o actual detentor do automóvel se recusa a entregar-mo, mesmo depois de eu ter obtido uma sentença que a isso o condena, intento uma acção executiva para que o tribunal apreenda judicialmente o Ferrari e posteriormente mo entregue.
Ou suponha-se que faço obras em casa e dentro do prazo legal detecto diversos defeitos na obra realizada, por negligência do empreiteiro. Obtendo sentença de condenação do empreiteiro na eliminação dos defeitos da obra, caso ele não o faça voluntariamente, intento uma acção executiva para prestação de facto.
Ou, situação mais comum, se o cliente A me deve €20.000,00 de mercadorias que lhe entreguei há 2 anos, o tribunal já o condenou a pagar-me o montante devido, mas ainda assim ele não o faz, intento uma acção executiva para que o tribunal adopte as medidas coercivas necessárias (que passam, em regra, pelo acto de penhora) para que eu seja ressarcido por A dos €20.000,00 a que tenho direito.
Ora, uma sociedade como a nossa, que se organiza com base na dicotomia direitos/deveres, só pode funcionar se funcionarem também os mecanismos que asseguram o cumprimento, ainda que coercivo, dos deveres, essencial à salvaguarda dos direitos. Caso contrário, os direitos não passarão muitas vezes de folhas de papel e essas valem (de) muito pouco.
Segundo dados publicados no Relatório de Propostas de Medidas com vista à Redução da Pendência em Atraso no Domínio da Acção Executiva Cível, de Setembro de 2011(2), o número de acções executivas cíveis pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância cresceu de 135.766 em 1993 para 1.186.390, em 31 de Dezembro de 2010.
Consta ainda do mesmo relatório que o número de acções executivas cíveis findas nos tribunais judiciais de 1ª instância em 2010 foi de 164.341 e que a maioria dos processos findos teve uma duração superior a dois anos, sendo que apenas 9% se situam no escalão de duração até 6 meses (3).
Uma acção executiva lenta e ineficiente – e que tantas vezes conduz a resultados insatisfatórios para o exequente - é um convite ao incumprimento intencional pelo devedor e é um desincentivo ao investimento sério em Portugal. Isso mesmo é percepcionado no recente Programa de Assistência Financeira UE/FMI 2011-2014 a Portugal, que em diversos pontos se refere à necessidade (rectius, imperatividade) de melhorar a eficiência da acção executiva cível como condição de aumento da competitividade nacional (veja-se, a título de exemplo, o ponto 7.1. do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica) (4).
Respondeu o Professor:
- Não me parece que o seu direito ao Ferrari lhe permita fazer a deslocação Lisboa/Porto mais depressa. Já o Ferrari…