Glória Teixeira, Visão on line,
O primeiro artigo que escrevi para a Visão, em co-autoria com uma jovem advogada, presentemente a trabalhar num escritório de advocacia no Brasil, versava sobre o problema grave dos conflitos de interesses em Portugal.
Volto novamente a revisitar o tema, com uma convicção formada que a raiz deste problema reside no nosso sistema legal, todo ele alicerçado em excepções ou ‘contra-regras’.
Em palavras simples, temos um legislador que define correctamente os normativos legais, necessários para um bom funcionamento das instituições, profissões, etc., mas acaba sempre, invariavelmente, por admitir excepções, de forma a acomodar interesses ou valores privados.
Começo pela minha profissão, professora universitária, e pelo estatuto que a rege: o ECDU. Elencam-se neste estatuto os deveres e obrigações dos académicos mas logo adiante se admitem várias excepções, nomeadamente a possibilidade de manter o meu posto de trabalho, caso pretenda seguir uma carreira política, etc.. Quando explico estas modalidades de entrada e saída de instituições ou empregos públicos, a colegas meus no estrangeiro, abrem a boca de pasmo.
Esta ‘flexibilidade laboral’ que, no limite, pode paralisar uma instituição, - imagine-se, por exemplo, todos os académicos a enveredarem por carreiras políticas e, simultaneamente, manterem os seus lugares, gabinetes nas universidades…- não se traduz só em entradas e saídas de conveniência pessoal, com eventual prejuízo para a instituição, mas poderá também gerar prejuízos para a economia, Estado e mesmo configurar ilícitos de natureza criminal.
O Estado, ministérios, empresas públicas não precisam de ir muito longe para acautelar os seus interesses, que são também os interesses dos contribuintes portugueses: basta atentarem nos mecanismos utilizados por entidades privadas, aplicáveis às entradas e saídas dos seus funcionários. Por forma a salvaguardar o seu negócio, por exemplo, as empresas obrigam os seus funcionários a assinarem pactos de não concorrência, por forma a evitar fugas de informação ou concorrência desleal. Trata-se do ‘período de nojo’, já referenciado pelo presidente do Tribunal de Contas, em entrevista recente ao jornal Público.
Esta flexibilidade do emprego público pode também traduzir-se em acumulações, por vezes compatíveis mas outras vezes ‘incompatíveis’ até para o mais simples e comum dos mortais. Como é possível?
A Lei ou os respectivos estatutos profissionais permitem e ‘incentivam’ esta flexibilidade que só gera incompetência, atrapalha as instituições e não permite uma gestão eficiente e de longo prazo.
A consequência derradeira salta à vista de qualquer um: conflitos de interesses e corrupção.