Oscar Afonso, Visão on line,

Como tenho vindo a referir em crónicas anteriores, a Economia Não-Registada (ENR) em diferentes países e regiões tem sido (e continua a ser) estudada, sendo que em minha opinião, com menor intensidade e destaque que o seu nível absoluto e relativo exigiria. Alguns dos estudos existentes consideram a actividade do governo como crucial e relacionam a performance do sector público com o peso da ENR. É destes estudos que hoje gostaria de falar. O seu ponto-chave é o seguinte: o peso da ENR afecta negativamente a capacidade para arrecadar receita necessária ao financiamento de despesa pública. Adicionalmente, alguns estudos concluem que subsídios generosos e regulação severa podem contribuir para que trabalhadores e bens e serviços passem ou permaneçam no seio da economia Oficial. Pelo contrário, a corrupção e a ineficácia do sistema legal aparecem como incentivos para ocultar relações económicas.
A incapacidade para fornecer bens e serviços públicos pode, por sua vez, levar mais agentes económicos para a ENR. Neste caso, quando o peso da ENR cresce e, consequentemente, a receita fiscal diminui, o governo pode sempre aumentar taxas; no entanto, tal tende a empurrar ainda mais actividade económica para a ENR que, quando relacionada com actividades criminosas (mas não só!), compromete a coesão social e o crescimento económico; ou seja, o futuro.
Neste sentido, mais recentemente tem havido alguns estudos que procuram justamente suportar teoricamente a relação negativa entre o peso da ENR e: (i) a quantidade de bens e serviços públicos; (ii) as políticas públicas promotoras de progresso técnico (financiadas, naturalmente, por receita fiscal); (iii) a desigualdade salarial a favor de trabalhadores a operar na economia Oficial; (iv) a competitividade do sector Oficial; (v) o crescimento económico.
Relacionando o avanço da ENR com o fracasso das instituições públicas necessárias para apoiar um mercado Oficial eficiente, é pois fundamental avaliar o efeito de questões cruciais como a prestação de um adequado nível de bens e serviços públicos e de políticas públicas promotoras de progresso técnico sobre os incentivos para operar na ENR. Em particular, a relação positiva entre nível de bens e serviços públicos (e políticas públicas promotoras de Investigação e Desenvolvimento, I&D) e o prémio salarial por operar no mercado Oficial impulsiona a coesão social e o abandono da ENR, ao mesmo tempo que motiva os indivíduos para financiar programas públicos através do pagamento de impostos. Estas características podem afectar a igualdade, a estabilidade e o crescimento do sistema socioeconómico.
Nesses estudos teóricos há que atender ao facto empírico – o que nem sempre sucede! – de que maioritariamente a ENR se concentra nos sectores de serviços e construção; em particular, em actividades intensivas em trabalho não qualificado (serviços de limpeza, reparações e construção) e em trabalho “muito” qualificado (actividades ilegais). Explicação para tal estará no simples facto de que, nesses sectores, é mais fácil “esconder” ou o risco compensa. Assim, esses estudos teóricos devem considerar a produção relativa: com uns bens e serviços relativamente mais produzidos na economia Oficial e outros na ENR. Acresce dizer que a ENR envolve um mercado de trabalho também não observado e que estudos específicos a este propósito tendem a discutir o efeito das horas trabalhadas na ENR sobre o salário Oficial e a substituibilidade entre mercado de trabalho Oficial e não-Oficial. Os resultados demonstram, em particular, uma relação negativa entre horas trabalhadas na ENR e o salário da economia Oficial, e a substituibilidade entre ENR e economia Oficial.
Neste contexto, há que considerar que a produção de cada bem e serviço final requer trabalho e bens intermédios, que, por sua vez, incorporam o progresso técnico (geralmente num contexto de concorrência monopolística). Além disso, a produção Oficial beneficia de bens e serviços públicos; em particular, de sistemas de comunicação, de estradas, de portos, da existência de regulação, de gastos públicos em investigação e de prestação de educação básica e assistência médica. Com a consideração de complementaridade entre factores e substituibilidade entre sectores (Oficial e não-Oficial) é possível analisar o efeito de uma alteração no nível de bens e serviços públicos no peso da ENR, nos salários e no crescimento económico.
No cenário que tenho vindo a considerar, a cadeia de efeitos será particularmente governada pela dimensão dos bens e serviços públicos, que deverão: (i) aumentar a produtividade marginal do trabalho no sector Oficial; (ii) reduzir os incentivos para operar no seio da ENR; (iii) aumentar a competitividade do sector Oficial; (iv) afectar o enviesamento do progresso técnico a favor do sector Oficial. Este enviesamento, por sua vez, explicará o aumento da economia Oficial, a desigualdade salarial a favor dos trabalhadores na economia Oficial e a taxa de crescimento. O aumento do prémio salarial “Oficial” é fortemente baseado no raciocínio de que, quando aumentam os bens e serviços públicos, a dimensão do mercado Oficial cresce e cria incentivos adicionais para o progresso técnico utilizado pelos trabalhadores nesse sector.
Assim, pelo menos temporariamente, o aumento da carga fiscal aparece como um argumento válido quando está naturalmente em causa o correcto financiamento de bens e serviços públicos e/ou a promoção de políticas públicas de I&D.