Rui Henrique Alves, Visão on line,

A situação que descrevo de seguida passou-se há relativamente pouco tempo, quando ministrava uma formação na área da Economia. Estava, então, a distinguir entre as políticas conjunturais e as políticas estruturais.
As primeiras, como o próprio nome indica, voltam-se para a estabilização da actividade económica e têm efeitos de curto prazo, surgindo pelo lado da procura. Devem apresentar carácter contra-cíclico, isto é, serem expansionistas em período de recessão e restritivas em período de expansão.
As segundas voltam-se para a aceleração do crescimento económico e, a existirem, têm efeitos no longo prazo, surgindo pelo lado da oferta. Exigem importante vontade política, não devem mudar com a alteração do partido no poder ou do ministro no governo, e são difíceis de implementar, pois lidam com interesses instalados.
No contexto desta apresentação, dizia eu que nos últimos vinte anos (para ser politicamente imparcial) a política macroeconómica podia ser vista como um sério case study do que se não deve fazer. De facto, ao nível conjuntural, gastou-se o que se tinha e o que se não tinha, particularmente em momentos de expansão, com a factura a ser cobrada (como agora) em fases de desaceleração, senão mesmo de forte contracção económica. Ao nível estrutural, se matéria existe bem gasta de há 30 anos a esta parte, ela é a das ditas “necessárias reformas estruturais”, que sempre esbarram na primeira grande manifestação de interesses adversos ou na proximidade de qualquer acto eleitoral relevante.
Perante isto, um dos presentes questionou: “Não acha estranho ser assim, quando os Ministros das Finanças desse período foram alguns dos mais reputados economistas nacionais, incluindo o actual, que até disse que foi seu Professor de Macroeconomia?”.
Confesso ter ficado algo indeciso quanto ao que responder. Mas que a pergunta fazia todo o sentido, lá isso fazia... Teria sido apenas coincidência? Seria apenas alguma dose de incompetência? Poderia simplesmente acontecer de as teorias macroeconómicas serem apenas uma fraude? Tantas hipóteses poderiam afinal ser levantadas...
Comecei por tentar a resposta mais habitual neste tipo de situações, usando a “desculpa” dos pressupostos. Afinal, qualquer boa (ou má) teoria assenta num conjunto de hipóteses restritivas, simplificadoras da realidade, as quais, ajudando-a a compreender e explicar, permitem tentar actuar sobre a mesma. O problema está em que, não se verificando os ditos pressupostos e não se podendo (como alguns gostariam ou simplesmente tentam fazer) conformar a realidade aos mesmos pressupostos, a intervenção poderá não produzir os efeitos inicialmente pretendidos.
Acho, contudo, que não convenci o meu interlocutor. Vai daí, passei ao segundo “artifício” habitual do economista, a famosa condição “ceteris paribus” ou “com tudo o resto constante”. Em Economia, habitualmente lançamos mão de relações entre duas variáveis, assumindo que as demais não se alteram. Ora, o problema é que a realidade é muito mais complexa e dificilmente encontramos apenas variações de um par de elementos. E assim sendo, estaria aqui uma explicação plausível para o desconforto entre uma teoria macroeconómica consistente e uma prática macroeconómica com resultados muito aquém do desejável.
A tentativa de explicação também não foi muito convincente. De forma que restou-me assumir que a verdadeira razão para tão ilustres economistas terem falhado (e muitas vezes de forma rotunda) se tinha de encontrar fora da Economia. Talvez o verdadeiro motivo residisse na área da política, quiçá na componente mais politiqueira: afinal de contas, o que verdadeiramente move muitos governos é a perspectiva da continuidade no poder e isso tem custos substanciais, desde os famosos “jobs for the boys” à não contenção com os poderes mais relevantes.
Ou seja, os economistas em causa não terão falhado por uma má aplicação da teoria macroeconómica e esta continuará a ser válida, mas porque as condições de vida democrática em Portugal continuam, quase quatro décadas depois da Revolução de Abril, muito aquém do expectável. O interesse partidário e individual continua, com frequência, a superar o real interesse nacional. Pelo que a Eduardo Catroga, Vitor Bento ou qualquer outro economista reputado que venha a ser o próximo Ministro das Finanças, o que posso desejar é tão só, “ceteris paribus”, que saiba lidar melhor com as pressões da politiquice...