Pedro Santos Moura, Visão on line,

Transparência
Num tempo de crise mais que anunciada, é da maior importância manter a cabeça fria. Analisar situações como a actual o mais objectivamente possível é fundamental para perceber os erros do passado e preparar os passos que levam a um futuro melhor.
Falando de fraude, reflecti sobre o papel que alguns factores gerais têm sobre este fenómeno.
O primeiro deles é a Transparência. Intuitivamente pensar-se-ia que sociedades mais abertas e menos controladas centralmente poderiam levar a uma maior tendência para tentativas de apossamento indevido do bem alheio, devido a um menor nível de controlo formal. Acontece o contrário: está mais que provado que a promoção de regimes assentes em princípios, legislação e práticas transparentes levam a uma diminuição das práticas de fraude, devido sobretudo à vigilância colectiva e orgânica que surge neste tipo de contextos sobre os bens pessoais e comuns.
Com efeito, contextos, sociedades e empresas ‘fechadas’ promovem um nevoeiro pantanoso onde a apropriação indevida de bens e recursos se torna facilitada devido à falta de visibilidade partilhada sobre os processos e práticas das organizações e ao exercício de Poder sem responsabilização real perante todos os actores. É nestes jardins que a corrupção e a fraude crescem impunemente.
Somando ao referido acima o actual factor ‘crise’, com o impacto negativo que este causa em todos os actores económicos e sociais, vemos já aumentar a propensão para responsáveis políticos, gestores de empresas e empregados tentarem manter os seus níveis de vida a qualquer custo, sendo assim gerada a motivação para manobras menos lícitas de apropriação de recursos e bens. Como é sabido (Triângulo de Fraude), Motivação para fraude mais Oportunidade para a fazer redundam, inevitavelmente num aumento de práticas fraudulentas, o que diminui ainda mais os recursos comuns disponíveis para a resolução da actual situação.
O que se escreve acima pode ser justamente apelidado de mera opinião. É inteiramente verdade. Mas é uma opinião fundamentada em factos objectivos. Vale a pena olhar para um gráfico:
Da observação deste gráfico consegue-se perceber a correlação directa entre o índice de Corrupção/Transparência (valor mais elevado é melhor) e o Índice de Desenvolvimento Humano (valor mais elevado é melhor). Para além da correlação relativamente óbvia (há excepções pontuais) que indica que quanto menor a taxa (pressentida) de corrupção (CPI) maior o índice de desenvolvimento humano (HDI), há que atentar ainda ao tipo de regime político e nível de desenvolvimento social dos países com maior índices de corrupção: em termos médios são países com regimes fechados e práticas pouco transparentes, tipicamente (mas não exclusivamente) situados em zona em desenvolvimento.
No ‘clube’ do canto superior direito, atente-se à posição de Portugal: entre os piores da OCDE em ambos os índices. Penso que o gráfico (fonte: www.gapminder.org) é auto-explicativo neste ponto: muito há ainda por fazer por estas bandas ao nível da Transparência.
Corolário pessoal: a bem do futuro, impera avançar (ou continuar a avançar) para sistemas políticos, sociais e empresariais abertos e transparentes. Sem ‘paredes opacas’, com o aumento da visibilidade, diminui a noção de oportunidade para perpetuação de fraude.
Confiança
Um outro factor que considero contribuir para o aumento da prática de fraude, ligado ao tema dos ‘sistemas abertos e transparentes’, prende-se com Confiança.
Desconfia-se sobretudo do que não se conhece, de quem não se conhece. Quanto mais se ‘fecha’, mais desconfiança existe. O desconhecimento e a desconfiança levam à perda da noção de bem comum e do respeito pela propriedade do Outro. Inveja-se o que não se tem e se pensa que os outros têm.
A partir da inveja, vem (de novo) Motivação para possuir o que à partida não se tem. Entre a Motivação e a Fraude existe praticamente só a noção de Oportunidade de se não ser ‘apanhado’.
Quando se confia há a partilha de um espaço, de bens e de recursos comuns (mesmo que a propriedade formal pertença a cada uma das partes). Assim nascem parcerias, para uso dos bens e recursos de ambas as partes em conjunto como forma de promover sinergias e potenciar os ganhos comuns.
Neste tipo de cenário a Motivação para a prática de Fraude diminui consideravelmente, visto já existir acesso partilhado aos bens e recursos que no caso oposto teriam de ser adquiridos de formas menos lícitas ou éticas.
Algo que costuma acontecer em alturas de crise (confesso já me aborrecer usar esta palavra…) é a diminuição dos níveis confiança, não só relativamente ao Cenário Económico e outros termos vagos, mas sobretudo entre as próprias pessoas. Numa sociedade já de si muito individualista e não participativa, a degradação das condições económicas e sociais leva a um fechamento ainda maior sobre a esfera contextual de cada um (pessoa, empresa ou organização), dificultando dessa forma práticas de cooperação e partilha de problemas e soluções. A anomia económica num meio individualista é potencialmente causadora de reacções de pânico pessoal (ou empresarial) à degradação súbita do contexto, levando a acções irreflectidas, irracionais e danosas para o agente e o que o rodeia.
Concluo com um conselho/pedido, plenamente contextualizado nesta época: não entrem em pânico, não se fechem nos vossos problemas, não se permitam ficar mais desconfiados. Estou certo que as soluções para os problemas passam por calma, objectividade, cooperação e confiança. Diminuir-se-ão assim não só as práticas de fraude, mas também o impacto deste tsunami que nos afecta a todos, quer a nível económico, quer sobretudo a nível humano.