José Leal, OBEGEF
Por vezes assistimos à ineficiência dos sistemas, e de forma estrutural, sendo uma das causas para tal estado de funcionamento a interferência dos interesses de grupo de determinados agrupamentos sociais.
A problemática da fraude, do engano e do erro induzidos, não se materializa apenas na sua expressão dramática da norma penal, e como tal no crime. Esse será o contorno mais visível da sua estrutura predatória. Todavia, na vida em sociedade, a fraude, assim como o engano e o erro produzidos de forma sub-reptícia encontram-se omnipresentes no quotidiano dos indivíduos e nas interações em que participam. Referimo-nos pois a uma espécie de fraude presente na invisibilidade do quotidiano do sujeito; uma presença subtil e percecionada como fazendo parte da alegada normalidade dos sistemas, dos processos, e das relações, sendo por isso confundida por esse estado das coisas (normal).
Já o referimos, noutro lugar, que o indivíduo motiva-se, e move-se, em razão de interesses próprios e de agrupamentos sociais dos quais faz parte por a eles ter aderido ao longo do seu processo de desenvolvimento enquanto ator social plurifuncional. Sabemos da importância dos agrupamentos sociais para o funcionamento dos sistemas que compõem a estrutura da sociedade, a forma como se organizam,tendo como referência a especialização no plano técnico e funcional, e identitário por referência a determinada profissão, e ao estatuto social que lhes é atribuído no jogo da distribuição de poder e de reconhecimento social. Alguns desses agrupamentos sociais adquirem uma tal relevância no funcionamento do sistema que incorporam,que as suas ações influenciam de forma determinante o nível de eficiência social e funcional do sistema. O nível de relevância social e funcional que adquirem é por vezes tão elevado que esses agrupamentos se transformam em corporações, com órgãos próprios, de modo a potenciar ainda mais o seu papel social e funcional, demarcando no plano socioeconómico níveis de intervenção que a dimensão jurídica lhes assegurará a legitimidade de serem os únicos a poderem intervir na área funcional de que são especialistas. A tal facto nada a opor ou a reparar, na medida em que o principio da especialização assim o impõe, de modo a que a eficiência dos desempenhos se materialize na vida social. Todavia, por vezes assistimos à ineficiência dos sistemas, e de forma estrutural, sendo uma das causas para tal estado de funcionamento a interferência dos interesses de grupo de determinados agrupamentos sociais.
É pois a manifestação da ineficiência dos sistemas pela ação, ou omissão, de determinados interesses corporativos. Os agrupamentos sociais utilizam muitas das vezes, da estratégia fundada num processo de fechamento social, inexpugnável para qualquer agente que não faça parte do agrupamento, condicionando o funcionamento do sistema de que fazem parte; o processo de fechamento tem como objetivo a proteção dos interesses de grupo, em detrimento da satisfação de determinadas necessidades sociais / públicas.
Assiste-se assim à ineficiência dos sistemas através da manifestação de um comportamento estratégico que se traduz na alavanca para a produção da fraude no sistema através da sua ineficiência. Não nos referimos a uma fraude dolosa, mas grosseiramente negligente, porque tende, demasiadas vezes e de forma obstinada, a substituir o interesse público reiterado em necessidades sociais pungentes, pelos interesses de agrupamentos, e por isso particulares.
Algumas Ordens profissionais poderão ser um claro exemplo desse tipo de agrupamentos. Para além de regularem e protegerem o campo social que lhes está reservado, tendem por vezes a condicionar o sistema onde se integram funcionalmente, por o quererem regular segundo a ótica de interesses corporativistas. Todavia, todo este estado de coisas é legal, e normal, na medida em que é legitimado pelo sistema normativo, também este controlado / manipulado pela influência do poder dos interesses corporativos. É nesse sentido, uma legitimação social concretizada através da produção, em sede própria, de instrumentos que constroem uma realidade jurídica perspetivada comojusta, normal e natural, e como tal insuscetível de poder ser questionada.
A fraude no sistema, transforma-se paulatinamente na fraude do sistema, com custos económicos e sociais por determinar, apenas de quando em vez, aflorados no contexto de qualquer reivindicação de grupo profissional, ou de qualquer denuncia efetuada pela,ou através, da comunicação social, sobre o que vulgarmente se define e classifica como mais uma ineficiência do sistema. A fraude no sistema, materializa-se assim na fraude do sistema.