Óscar Afonso, OBEGEF

 

O agravamento das condições sociais, com o desemprego à cabeça, e o aumento da tributação sobre o consumo, o património ou o rendimento apelam à tentação da prática da fraude e da evasão fiscais

Parece haver uma resistência congénita à diminuição patrimonial que os impostos e contribuições representam e, portanto, uma propensão para a Economia Subterrânea, porque existe a percepção de que as prestações pagas ao estado ou a outra entidade pública não têm a retribuição directa de um benefício. Essa resistência natural induz fuga fiscal, total ou parcial, que pode ser concretizada através de um leque alargado de acções. Considerando o carácter ilegal ou legal do seu procedimento, assim poderá configurar uma situação de fraude ou de invasão fiscais.

A fraude fiscal tem subjacente um comportamento ilícito do contribuinte. A evasão fiscal implica um aproveitamento abusivo de um regime jurídico mais favorável. São vários os exemplos que mostram que ambos os casos são fuga a impostos, sendo que a linha de fronteira nem sempre é clara e evidente. Sendo tão diversificados os exemplos conhecidos, a classificação como fraude ou evasão pode ser aferida pelas medidas legais de combate à fuga com que o legislador foi dotando a lei fiscal e as quais servem de combate à Economia Subterrânea. Em todo caso, os efeitos observados são semelhantes em ambos os casos: há a diminuição das receitas fiscais do Estado e a sobrecarga fiscal dos contribuintes cumpridores.

Importa, então, começar por especificar as razões que motivam os contribuintes faltosos a praticar a fraude e evasão fiscais. De acordo com a natureza, as causas podem ser económicas, políticas, técnicas e psicológicas. Nas primeiras surge como determinante a conjuntura sócio-económica. Em períodos de recessão económica é de esperar uma maior propensão para a fuga fiscal. O agravamento das condições sociais, com o desemprego à cabeça, e o aumento da tributação sobre o consumo, o património ou o rendimento apelam à tentação da prática da fraude e da evasão fiscais. Associado a essa propensão pela fuga aos impostos e às contribuições surge a percepção do risco que cada contribuinte tem sobre o fenómeno. Quanto maior o risco que o contribuinte percepciona de poder vir a ser detectado, menor a propensão para a prática do acto.

Relativamente às causas políticas ganha importância a perspectiva que os contribuintes têm sobre a justiça social, sobre a igualdade de oportunidades e sobre as correcções necessárias das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. Este conjunto de factores subjacentes ao propósito da tributação, nem sempre se revela evidente aos olhos dos contribuintes, ficando a ideia de que a equidade fiscal não existe. Assim, quando, por exemplo, fica claro que o peso da tributação recai mais sobre uma parte da população, quando se nota que existem grupos de pressão a influenciar a condução das políticas fiscais, ou quando se percepciona que a despesa pública, alimentada pela receita fiscal, é mal orientada aumenta a resistência ao cumprimento fiscal e a apetência pela fraude e evasão fiscais.

As causas técnicas surgem associadas à complexidade da lei fiscal e à sua permanente mutação. Esta complexidade e mutação, transversais à realidade legislativa, é responsável, por exemplo, pela falta de atractividade de investimento, especialmente do externo. Além disso, a complexidade pode muito naturalmente afectar a intenção de cumprimento da obrigação fiscal, levando ao erro negligente. Note-se que a ininteligibilidade da própria situação fiscal, dissuade o contribuinte do cumprimento. Acresce que a instabilidade do sistema fiscal será obviamente mais permeável ao uso da letra da lei para outros fins, que não os que o legislador tinha em mente e está, por isso, na base da evasão fiscal. Saliente-se ainda que as expectativas criadas nos contribuintes face a uma determinada realidade podem ser gravemente afectadas pela permanente alteração legislativa, levando à insegurança no sistema fiscal.

Finalmente, no âmbito das razões psicológicas vale a pena referir a formação cívica e o contexto cultural do universo dos contribuintes. A reprovação social sobre actos de fuga aos impostos é mais forte quando os praticantes são contribuintes mediáticos na sociedade. Tal é natural já que se espera que estes contribuintes sejam exemplares, sendo que tal conduta leva à falta de credibilidade nos órgãos de soberania, face ao comportamento de, pelo menos, alguns dos seus representantes. Parece assim poder dizer-se que a repulsa sobre o incumprimento fiscal não é assumida por todos, em relação a todos. Para o comum dos contribuintes existe até, por vezes, algum sentimento de heroísmo social na concretização da fraude e da evasão fiscais.

Quanto as causas psicológicas, vale a pena abordar o efeito nefasto do indulto fiscal recorrente (ou perdão ou amnistia fiscal). Considerando-o regime excepcional de regularização tributária, não representa mais do que um eufemismo para a permissão de entrada de capitais, anteriormente passados para o exterior à margem de qualquer tributação, com pleno perdão sobre juros e sanções pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais, tornando-os legais em troca da receita tributária necessária para cumprir objectivos de orçamentais: a avidez do financiamento do Estado a isso impele. Por conseguinte, a aplicação recorrente deste tipo de medidas faz perdurar a ideia de que a fraude e a evasão fiscais, mais cedo ou mais tarde, conhecerão um ponto de fuga legislativo que permitirá a legitimação. O resultado é a desmotivação dos contribuintes cumpridores para manterem a conduta.

As causas da fuga aos impostos e contribuições por via da fraude e da evasão fiscais criam um impacto de diferentes naturezas, assim como diferentes são as próprias causas, seja na economia, na política ou na sociedade. Contudo, uma primeira consequência é evidente: as receitas fiscais sofrem uma redução. Essa consequência induz outras, a começar pela penalização que cria ao cumprimento do ideal de sistema fiscal consagrado na Constituição da República. Com efeito, compromete tanto a satisfação das necessidades financeiras do Estado, como a justa repartição dos rendimentos. Assim, por exemplo, por efeito da redução das receitas fiscais, o Estado acaba por ajustar o volume de despesa pública, diminuindo os gastos públicos ou, em alternativa e pior ainda, sobrecarregando os contribuintes cumpridores, como forma de compensar a receita que não é possível obter por existirem incumpridores. Ora o ajustamento no volume de despesa acaba por penalizar os contribuintes cumpridores na hora em que necessitam de recorrer a merecidos benefícios sociais. Por outro lado, a diminuição da receita motivada pela existência da Economia Subterrânea não deixa de transferir também para a Economia Formal certos custos operacionais da Economia Subterrânea, onerando a actividade dos contribuintes cumpridores.

Este último aspecto tem um efeito de distorção na concorrência, pois o peso dos custos operacionais da Economia Subterrânea (mas também dos outros tipos de Economia Paralela), onerados pelo pagamento de impostos, não permite aos operadores da Economia Formal ser tão competitivos no mercado, acabando, muitas vezes, por reduzir a actividade, abandoná-la ou até alocando os seus recursos ao serviço da Economia Paralela, onde passam a operar.

Percebe-se, assim, que a fuga aos impostos gerada pela Economia Paralela acaba por comprometer a estabilização da actividade económica no seu conjunto, já que se repercute no enviesamento dos indicadores económicos oficiais, sobre os quais são tomadas as decisões políticas e económicas do país. O nível de fiscalidade é pois directamente afectado pela maior ou menor dimensão da Economia Paralela ou também, por inerência, pela maior ou menor dimensão da evasão ou fraude fiscais.

Cumpre pois referir que a fuga aos impostos representa uma degradação da cidadania, porque é o dever cívico de pagamento dos impostos e das contribuições que permite ao Estado cumprir os respectivos deveres e, assim, assegurar a qualidade do ambiente social.