António João Maia, OBEGEF

Importa que o período da campanha eleitoral sirva verdadeiramente para informar e esclarecer os cidadãos sobre o estado real em que o país se encontra e, nesse enquadramento, que políticas são propostas para desenvolver ou guiar os destinos colectivos

 

O calendário político português está a entrar numa fase de grande agitação. Abeiramo-nos das eleições legislativas e, logo no início do próximo ano, ocorrerão as presidenciais.

Para este primeiro acto eleitoral, já em fase de pré-campanha, as forças políticas apresentaram já os programas com que se propõem governar o destino dos portugueses nos próximos 4 anos. Entretanto, como é usual nestas fases do processo, têm mantido uma acesa troca de argumentos na procura de menorizar as linhas programáticas dos adversários e de potenciar positivamente os projectos próprios. E pelo meio, num sombreado que apresenta contornos muito semelhantes, vão-se alinhando os perfis e alinhavando os nomes dos possíveis candidatos ao cargo de Presidente da República.

Tudo decorre naturalmente da aplicação das regras de funcionamento do modelo democrático de organização política que ficou consagrado na Constituição da República de 1975, e que assenta no pressuposto de serem os cidadãos a escolherem livremente, de entre as propostas que lhes sejam apresentadas, que projectos devem governar os destinos da comunidade durante um determinado período de tempo.

Em si mesmo, este parece ser o modelo mais adequado de as sociedades humanas se organizarem e decidirem sobre os seus destinos – a história tem demonstrado que todas as outras alternativas que foram experimentadas se traduziram em exemplos de perversidade e de subjugação e exploração do homem pelo homem –.

Todavia, o modelo democrático não será perfeito – Churchill considerou-o mesmo como um mal menor relativamente a todos os outros –. E as imperfeições, se assim lhes podemos chamar, derivam essencialmente do modo como as regras do jogo são colocadas em prática.

O pressuposto essencial do modelo, como se disse, assenta no poder que é conferido ao cidadão para escolher livremente, através de voto secreto, qual considera ser a melhor solução para a governação dos destinos do grupo nos próximos anos (no caso português, 4 anos para as eleições legislativas e 5 para as presidenciais).

Assim e para que o pressuposto funcione de modo minimamente adequado, importa que o período da campanha eleitoral sirva verdadeiramente para informar e esclarecer os cidadãos sobre o estado real em que o país se encontra e, nesse enquadramento, que políticas são propostas para desenvolver ou guiar os destinos colectivos. Essa informação deve conter elementos acerca dos custos e dos benefícios previsíveis da adopção de tais opções, pois serão os mesmos cidadãos a suportar os custos e a colher os benefícios correspondentes.

O argumentário das forças partidárias não pode ficar unicamente associado aos lados positivos dos projectos e das medidas que propõem, que em geral traduzem a ideia de grandes benefícios a custos reduzidos. E a democracia não é isso.

Por outro lado, os cidadãos devem mostrar uma maturidade democrática que os capacite a procurarem e avaliarem por si só as informações que considerem mais adequadas acerca das propostas em jogo, de modo a escaparem às lógicas dos argumentos eleitoralistas referidas anteriormente. De outro modo, como ainda se assiste por todo o país e em todas as classes sociais, continuaremos a votar mais em função da cara e simpatia do líder partidário do que no seu ideário e nas propostas que nos apresenta. Ou, o que é também comum, o voto ser exercido mais como forma de penalização da força política que está em final de mandato e menos em função dos projectos propostos para o futuro, o que, por si só, não deixa de ser um acto contrário ao pressuposto da votação – a escolha de um projecto para o futuro e não a avaliação do passado –. A democracia também não é isso.

Enquanto estas formas de actuação se mantiverem, quer por estratégias, ainda que encapotadas e nunca assumidas, das forças políticas, quer porque os cidadãos mantenham um certo distanciamento ou mesmo um alheamento – consciente ou inconsciente – sobre as questões políticas, continuaremos a ter todo um território muito propício para a demagogia, para a fraude, para que o sentido geral de um acto eleitoral se faça mais em função de externalidades do que pelo cerne dos problemas e em busca das soluções mais adequadas para lhes fazer frente. É que isso também não é democracia.