José António Moreira, OBEGEF

Os restaurantes estilo europeu, muitos deles explorados por portugueses, onde uma mera refeição por pessoa pode custar metade do salário mensal mínimo nacional, contrastavam com as bancas que, num emaranhado de tábuas, fios e panos, se posicionavam do outro lado da rua

...

Visitei Moçambique muito recentemente. A minha primeira incursão na África subequatorial, numa curta estadia de trabalho circunscrita à capital Maputo. A impressão inicial foi avassaladora, todo um mundo novo que se abriu para mim. Aos meus olhos de forasteiro recém-chegado, pareceu ser um mundo de contrastes.

A falta de manutenção dos prédios e infraestruturas públicas, transmitindo uma ideia de decrepitude, de abandono, contrastava com os novos arranha-céus em construção em muitas partes da cidade, no que um leigo em matérias de gestão urbana se atreveu a definir como atentados urbanísticos.

O pequeno forte da cidade, junto ao porto de pesca, velho de séculos, um dos raros locais da zona história preservado, albergando no seu interior estátuas que noutros tempos adornaram a cidade colonial, contrastava com um enorme centro comercial de cores garridas, construído paredes meias, e com um prédio mastodôntico, em construção, futura sede do Banco de Moçambique.

A placidez nas caras das pessoas, sobretudo das mulheres, sentadas nos passeios das principais ruas e avenidas junto de meia dúzia de produtos hortícolas espalhados numa estreita faixa de tecido encardido, contrastava com a pressa permanente dos operadores dos “chapas”, o transporte do cidadão comum a sete meticais por percurso, que afogueados e sem cerimónias conseguiam o milagre da multiplicação, neste caso do número de passageiros acondicionados nos nove lugares das pequenas viaturas.

Os restaurantes estilo europeu, muitos deles explorados por portugueses, onde uma mera refeição por pessoa pode custar metade do salário mensal mínimo nacional, contrastavam com as bancas que, num emaranhado de tábuas, fios e panos, se posicionavam do outro lado da rua, propondo em condições de total ausência de higiene, a comida que os locais (menos afortunados) compravam e comiam de pé.

Os seguranças privados, muitos deles antigos guerrilheiros que é necessário manter ocupados, sentados à entrada de cada porta nas zonas mais “chiques” da cidade, indolentes e denotando nas faces encovadas falta de esperança num futuro melhor, contrastavam com a ausência visível nas ruas de polícia ou agentes de autoridade e o abandono de certas zonas da cidade à marginalidade, por onde ninguém se aventura a pé.

O ministro que percorria a cidade com uma longa e lustrosa caravana de viaturas europeias novas, surgindo veloz do nada ao som de sirenes, com percurso aberto por militares, qual estrela cadente que rapidamente desaparece no meio do tráfego, contrastava com a jovem mulher que saía pela porta principal do hospital central levando às costas, à falta de uma simples cadeira de rodas, com esforço refletido no rosto cansado, um jovem dos seus quinze anos.

Os passeios e calçadas, plantados de árvores, onde sobressaem as acácias, proporcionando a sombra benfazeja que protege do sol inclemente, contrastavam com os peões a disputarem o espaço da rua às viaturas que passavam apressadas, porque esses passeios, em muito mau estado de conservação, são usados como espaço de estacionamento compacto, num desrespeito não sancionado pela autoridade.

A cidade diurna, ruidosa, cheia de pessoas sugadas das periferias ao início de cada dia por uma força centrípeta, contrastava com a cidade noturna, silenciosa, vazia pela centrifugação que empurrou as pessoas de volta para essas periferias, e onde os que nela permaneciam tendiam a fecharem-se em casa ou a deslocarem-se em viaturas que não paravam nos semáforos vermelhos que encontravam pela frente.

A corrupção, apreendida pelos índices, que atribuem ao país um lugar cimeiro entre os mais corruptos, descrita e pessoalizada nas conversas, não contrastava com o sentir das pessoas, mesmo as mais instruídas, onde se percebia uma quase aceitação desse flagelo social, como se fosse o preço a pagar a quem governa o país.