António João Maia, OBEGEF
Basta revogar os correspondentes artigos do código penal
Há alguns anos, quando, ainda nos anos noventa, os grandes casos de corrupção começaram a ocupar de modo mais evidente e frequente as páginas dos jornais e os ecrãs das televisões, numa amena conversa de café entre amigos e colegas de trabalho, um deles, a propósito da temática, afirmou ser muito fácil acabar com a corrupção.
Perante tal afirmação, assim tão simples e peremtória, toda a audiência ficou repentinamente em silêncio. Seguramente que, tal como eu, se interrogava como seria possível, assim de modo aparentemente tão fácil, acabar com o problema.
Quisemos depois que nos explicasse como é que afinal se acabava com a corrupção.
Fácil, respondeu-nos. Basta revogar os correspondentes artigos do código penal.
Se a lei que define os crimes, explicou, eliminar e deixar de considerar a corrupção enquanto tal, pura e simplesmente o crime extingue-se. De um momento para o outro acaba-se com o crime de corrupção.
Perante esta explicação, não podemos deixar de rir, inclusivamente o próprio.
Depois continuamos a glosar o tema da corrupção e o que ele coloca em causa em termos do viver social, económico e cultural.
Todavia, aquelas palavras ficaram-me na memória. E, sempre que me cruzo com notícias de novos casos – e sabemos bem como a questão tem estado na ordem do dia nos tempos que atravessamos – acabo por recordar aquele episódio.
Efetivamente e de um ponto de vista estritamente legal, os crimes são apenas e só os atos que a lei penal considere como tal. E por isso são esses conceitos jurídicos, essas definições legais, que estabelecem e permitem a aplicação das penas correspondentes, a todos aqueles que, de modo comprovado e deliberado, os pratiquem.
E é também por consideração esta noção que aquele colega e amigo tinha a sua razão ao fazer aquela afirmação – acabar com um crime é tão-só apenas uma questão de extinguir o tipo legal que lhe corresponde.
Todavia, é bom de ver, essa solução não resolve problema algum. A corrupção é um tipo legal de crime na medida em que as sociedades têm considerado que as práticas dessa natureza são prejudiciais. Subvertem as normas. Contrariam as expectativas. Destroem as relações entre as pessoas e entre estas e as instituições. Minam a confiança, que é um fator determinante para a manutenção da coesão social.
O problema tem muito mais profundidade do que a da letra de lei.
A aplicação daquela proposta iria provocar seguramente dois efeitos. A extinção do crime e o incremento das práticas que lhe correspondem em resultado do estado de impunidade que no mesmo instante se instalaria.