José António Moreira, OBEGEF

O tempo, que tudo cura, terá diluído as memórias, mesmo as mais desagradáveis. O ciclo voltar-se-á a repetir, fazendo vítimas por via de um tipo de angariação de donativos que apresenta traços de opacidade caraterísticos de situações de fraude.

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O ambiente

Um centro comercial, à saída de um hipermercado, ou de uma loja de eletrónica, quando o potencial alvo, de consciência pesada pelos gastos efetuados, se encontra psicologicamente mais fragilizado.

A abordagem

Uma jovem aproxima-se e, com um sorriso simpático, solicita um donativo para uma causa chocante, como “luta contra o cancro”, ou “cuidar de crianças abandonadas”. A pessoa abordada pode dar o quiser, mas há uma certa pressão para a aquisição de uma peça sem valor assinalável (por exemplo um lápis) por um preço bem superior.

O impacto do pedido

Quem é que estando algo fragilizado, ao ouvir falar de cancro, ou de crianças abandonadas, vira as costas e nega um contributo? E quem é que mais tarde, depois de ter contribuído, não começa a questionar-se se realmente aquilo que a interlocutora proclamou corresponde à realidade? Nem um recibo do donativo ...

O voltar ao local

Esse sentimento de ter sido ludibriado não desaparece facilmente. E num dos próximos dias, com um pouco de sorte, ao voltar a passar no local da abordagem inicial, uma outra cara faz-lhe idêntica abordagem. Agora o abordado também sorri, diz-se anterior contribuinte para a campanha e aproveita para recolher informação. Irá obter um pequeno folheto colorido, com o nome da associação que faz a coleta, e com um pouco de sorte algumas dicas sobre o modo como é que aquela funciona.

O negócio

Em geral trata-se de uma organização cuja forma legal ou nome dos associados não são conhecidos. Apresentam-se com nomes como “promover a vida” ou “sorriso solidário”, tendo por detrás, em geral, empresas do dito “marketing social” que exploram o negócio. Este é de estrutura simples. Contrata jovenzinhas para trabalho temporário, treina-as para serem eficazes, remunera-as em função da receita arrecadada. O segredo está em armar cada campanha de uma “chavão social” que abra mesmo o coração mais empedernido. Não é conhecido quem é que fica com o montante arrecadado, nem se alguma parte será aplicada em verdadeiro mecenato social.

A pesquisa

De volta a casa, com o folheto em punho, navega na “net” à procura de mais informação sobre a associação, de modo particular para perceber para onde vão os fundos. E o “site” colorido e cheio de sorrisos de crianças, ou de glamorosos velhinhos de irrepreensíveis cabelos brancos, pouco mais lhe diz. É tão opaco como uma superfície pintada de negro. A solicitação de mais informação, através do endereço de e-mail da associação, traduz-se em tempo perdido. Ou obtém resposta que transcreve os termos ambíguos em que o “site” é pródigo, ou nem obtém resposta de todo.

A promessa

Desiludido, o autor do donativo promete a si mesmo que não voltará a cair noutra, não voltar a contribuir para o que quer que seja.

O futuro

Quando a “caravana” voltar, passado muito tempo, virá travestida de outras cores, armada de novos chavões. O tempo, que tudo cura, terá diluído as memórias, mesmo as mais desagradáveis. O ciclo voltar-se-á a repetir, fazendo vítimas por via de um tipo de angariação de donativos que apresenta traços de opacidade caraterísticos de situações de fraude.